por Roberto Goldkorn
Tenho observado com muito interesse e algum pasmo, a variedade impressionante de comportamentos humanos não patológicos, mas perturbadores. Um amigo que trabalha numa grande editora contou-me divertido alguns casos que teve a oportunidade de atender. Um leitor ligou para fazer uma gravíssima denúncia: “Num livro da editora havia um trecho que se configurava em terrível violação aos direitos dos animais.” O meu amigo surpreso pediu para saber qual o livro e o tal trecho. Mas já desconfiava de que se tratava de algum engano, pois a equipe editorial não deixaria passar nada nesse sentido.
O leitor indignado na outra linha contou: O livro sobre a guerra do Iraque continha o seguinte trecho era: “Ele que há pouco tempo atirava em coelhos com a sua 22, agora atirava em pessoas com seu potente rifle” (a frase foi ligeiramente modificada). O leitor indignado e já bufando vociferou: “Quer dizer que matar gente não pode, mas matar coelhos pode?” Sem dar tempo do meu amigo falar ele decretou: “Se esse trecho não for tirado do livro, vou meter um processo na editora que vocês vão lamentar o dia que publicaram esse livro.” Não adiantou o meu amigo explicar que o livro era uma tradução de original americano, que havia contrato impedindo de se mexer no texto, e que dos milhares de exemplares vendidos ele foi a única pessoa que veio fazer essa “grave denúncia”.
O leitor indignado desligou em meio a ameaças furibundas. Um outro caso interessante relatado pelo meu amigo, foi o de uma senhora, que leu um livro de autora americana best-seller mundial e, não entendeu o final. Por isso se sentia lesada, e exigia o dinheiro dela de volta, caso contrário iria procurar o Procon. Diga-se a bem da verdade o livro em questão é daqueles voltados para o grande público, cheio de romances impossíveis, enredo previsível que vende milhões de exemplares, justamente por ser bastante fácil de digerir. Há outros casos mais ou menos estapafúrdios (para mim, é claro) de pessoas comuns exercendo seus instantes de delírio e sem-noçãosice, ou seja, a ação dos sem-noção.
Gatilhos motivadores
Minha mente analítica e nada zen começa a fazer contorcionismos para tentar o impossível: compreender os mecanismos que levam a tal comportamento. Tento adentrar no recinto mental dessas pessoas. Tento entender-lhes os gatilhos motivadores. O que lhes dá a coragem para pegar o telefone ou mandar um e mail para uma editora, e apresentar a sua causa destrambelhada de forma absolutamente desenxabida, assim como quem reclama de um leite com soda cáustica?
Observe-se que se trata de uma raça especial: gente que compra e lê livros o que já os coloca na tropa de elite da nossa massa de indigentes intelectuais. Costumo insistir que o cliente tem sempre razão. Mas é uma declaração cada vez mais entre aspas e retirando o traço que a sublinha, colocá-la em itálico para atenuar-lhe o caráter absoluto. De onde vem essa incapacidade de ver de forma mais lúcida, de relativizar, de pensar uma questão em sua inteireza? Não, isso não é privilégio de nosso tempo ensandecido, nem de nossos leitores e outros desavisados e sem noção.
Grécia clássica
Na Grécia clássica as pessoas que julgaram Sócrates e o condenaram para se arrepender logo depois de sua morte, foram expoentes máximo dessa categoria. Os planejadores da reconstrução do Iraque (procurem ler o livro Blood Money de Christian Miller, Little, Brown NY, USA) todos com PHD, não levaram rádios para Bagdá depois da queda de Sadan. Eles acharam que iriam pode pegar um telefone e ligar para onde quisessem. Ficaram um bom tempo incomunicáveis. Além de outras absurdas demonstrações de sem-noçãosice. Essa é uma característica humana, uma mistura grossa de ignorância, arrogância, e delírio. Enquanto essas pessoas exercitam seus buracos de queijo no dia a dia, e nos azucrinam com suas intervenções patéticas até podemos suportar. O terrível é quando decidem destinos, em empresas, governos, altas cortes, etc. Não há muito a fazer senão tentar desviar dessas balas perdidas da burrice humana. Se por acaso fores atingidos…bem, saibas que estás em boa companhia. Sócrates, lá do outro lado, sempre bem- humorado lhes dirá: “bem-vindo ao clube”!