por Roberto Goldkorn
Alguns dias atrás um imbecil, embriagado entrou pela contramão de uma movimentada estrada paulista e depois de vinte quilômetros conseguiu bater de frente num outro carro. Nesse, um casal e sua filha de doze anos voltavam de um hospital onde ela havia sido atendida. Os pais morreram carbonizados na hora, a filha conseguiu sair viva.
Na mesma semana um outro monstro irracional, também bêbado, invadiu uma pracinha onde pai e filha brincavam, atropelou os dois. Uma mulher no Rio de Janeiro, que estava voltando do trabalho num ônibus foi atingida por uma bala perdida, outras morreram queimadas dentro de um coletivo escolhido aleatoriamente por bandidos e incendiado. Uma universitária foi atropelada no aterro do Flamengo e dias atrás tivemos o trágico assassinato do cartunista Glauco e seu filho Raoni.
Todas essas desgraças têm um propósito: Discutir aqui a existência de um Destino previamente traçado do qual o indivíduo é refém impotente, ou o tal livre- arbítrio existe e nós escolhemos o nosso destino. Os modernos gurus da autoajuda, sem conhecimento mais profundo da mecânica espiritual, afirmam que tudo o que nos acontece, de bom ou de ruim, foi tecido por nós mesmos, de uma forma ou de outra. Até Freud concordava com isso, abrindo uma exceção apenas para as crianças. Eu gostaria muito de ser convencido pelos defensores dessa ideia de que as vítimas citadas acima contribuíram de alguma forma para o seu trágico destino.
Mesmo os freudianos mais puros terão dificuldade de me convencer de que o Inconsciente deles manobrou para colocá-los naquele exato local, naquela hora do encontro com a Ceifadora. Podemos até concordar que o destino do agente causador foi deliberado por ele quando resolveu encher a cara e dirigir feito doido na contramão ou por uma praça pública. Mas ainda assim teríamos de ponderar algumas coisas. As variáveis que levam uma pessoa ao alcoolismo (ainda se estuda se há um gene alcoólico) são tantas que falar em consciência do ato de se embriagar pode ser leviandade, embora eu ache que a punição deveria ser exemplar, exemplar!
Pela própria natureza do meu trabalho, cada dia mais estou propenso a aceitar a tese de que já nascemos com um programa delineado. Esse "Programão" vai determinar uma série mais ou menos restrita de possibilidades, nos conduzindo num jogo de “quase” cartas marcadas cujo final se não é totalmente previsível é esboçado ao nascermos. Tomando-se o auxílio da genética: quando ainda na barriga da mãe um exame descobre que aquela criança é portadora de Síndrome de Down, já podemos antever muitas linhas de como será ou não será a sua vida. Assim do ponto de vista espiritual, todos nós nascemos com uma ou outra Síndrome, que vai limitar ou conduzir a nossa vida dessa ou daquela maneira. O próprio Freud, defensor da autonomia psicológica dos adultos, nos diz que “habitamos uma casa da qual não somos dono” referindo-se ao seu verdadeiro dono – o Inconsciente. Para mim, é nesse mesmo Inconsciente que o "Programão" mestre se abriga; seu sustentáculo físico: o lado direito do cérebro.
Estou ciente dos perigos da aceitação popular desse conceito. Ao aceitarmos que já nascemos tutelados por um programa prévio, podemos nos eximir da culpa pelos caminhos que a nossa vida enveredou, é o popular “tirar o corpo fora”, como fez o mítico Adão ao ser flagrado cedendo à Eva. E isso é inaceitável. Mas muita gente já incorre numa prática assemelhada quando tenta sociologizar e justificar a ação delinquente com base no histórico de pobreza ou mazelas psicológicas pregressas dos transgressores.
Não é assim que vejo. Apesar do tal Programão, Destino, Fado, Vontade Divina, ou como quer que se lhe designe, a sociedade precisa agir sobre o indivíduo e sua manifestações sociais. Porém, também não acredito que o "Programão" decida tudo nos mínimos detalhes e tenha poder absoluto sobre nós. Não, não e não. Costumo dizer para os meus clientes e alunos: a nossa vida é o resultado da colisão entre um "Programão pré-existente", e os acidentes que vamos encontrar ao longo da vida. Mais ainda, a possibilidade de evolução e aprimoramento (ou regressão e involução) é justamente a maneira como reagimos ao choque desses colossos. Um bom exemplo é o diálogo que mantive recentemente com um cliente que havia acabado de viver um desastre pessoal.
Eu – Bem a sua “casa caiu”, está tudo um caos, mas o que você pode tirar de bom dessa história toda?
Cliente – De bom? Você está maluco? Não sobra nada de bom.
Eu – Tem de sobrar. Para começar estamos aqui conversando. Nem todos que passaram por um desmoronamento como o seu tiverem essa sorte.
Cliente – Sorte? (riso triste).
Eu – Você tem 32 anos, está inteiro, com todas as suas funções fisiológicas ativas, conversando comigo, então podemos dizer que tem sorte sim. Mas o que você pode tirar de bom, é o aprendizado. Não que isso tenha acontecido para que você aprendesse, não é assim que funciona. No entanto, você tem a obrigação de tirar alguma coisa boa dos escombros, senão a sua derrota vai se tornar muito maior. Sua perda pode ser total ou pode arrancar na marra algum lucro. O lucro é o aprendizado. Vamos ver agora o que você aos 32 anos, pode aprender e levar para o resto da sua vida, a partir dessa situação tão terrível.”
Assim o meu cliente viu que poderia sair da sua tragédia pessoal mais morto que vivo, sem ter tirado nada da situação, ou sair com algo intangível, mas muito útil para seu desenvolvimento pessoal: um aprendizado. O aprendizado nem sempre é do tipo didático, pode ser uma mudança do eixo existencial, a maneira como eu encaro a vida, a morte, os meus bens, as minhas relações pessoais, sociais, etc. O destino pode bater feio, pode conduzi-lo a uma vereda estreita onde você mal possa respirar, mas a maneira como reagimos é fundamental na reconquista de terreno, a essas forças que são as donas da nossa casa. Um dia não teremos um proprietário “alienígena” oculto em algum porão abissal na nossa mente, dirigindo a nossa vida com rédeas invisíveis. Um dia seremos nós mesmos esse condutor.