por Aurea Afonso Caetano
"A função geral dos sonhos é tentar restabelecer a nossa balança psicológica, produzindo um material onírico que reconstitui, de maneira sutil, o equilíbrio psíquico total. É o que chamo de função complementar (ou compensatória) dos sonhos na nossa constituição psíquica." JUNG, C. G.
Nossa vida não é apenas a vida consciente da qual nos apercebemos. Nosso inconsciente "capta" quase sempre aspectos que deixamos de ver conscientemente. Esses conteúdos surgem, muitas vezes, através dos sonhos. Assim, não se trata normalmente de nada mágico ou premonitório, trata-se de sermos mais atentos à parte da história que desconhecemos para reconhecer para onde caminhamos nós. Jung dizia que muitas crises de nossa vida têm uma longa história inconsciente.
Costumamos desconsiderar essa questão em nossa racionalidade moderna; temos um longo percurso de treinamento para controlar nossas emoções e instintos, tentando construir e viver uma vida mais racional e coerente. Ocorre que esse treinamento tem nos afastado da vida mais instintiva, mais próxima ao inconsciente (por assim dizer) o que nos torna, de certa forma, unilaterais.
Pensar os conteúdos do sonho como complementares ou compensatórios à consciência propõe olhar para esse equilíbrio. Na verdade, os sonhos podem tanto acentuar um aspecto para que a consciência possa dele se aperceber como apontar aspectos não vistos para propor um novo ponto de vista. Esse movimento é relatado aqui de forma muito simplificada e não é, de forma alguma, um jogo de cartas marcadas. Trata-se sim de, como temos dito, olhar para o sonho e o material que surge do inconsciente como espécie de guia ou farol a iluminar áreas não vistas e favorecer uma ampliação do que chamamos consciência.
Jung dizia que para beneficio da saúde mental e mesmo da saúde fisiológica, o consciente e o inconsciente devem ser vistos de forma interligada. Uma dissociação pode levar a uma patologia que pode surgir a partir de qualquer distúrbio.
Um exemplo: uma pessoa percebe em algum momento que está com falta de ar; considera isso a princípio um sinal de cansaço e necessidade de repouso. Mas a falta de ar continua, mesmo depois de um final de semana tranquilo de paz e descanso. Faz vários exames para tentar identificar a origem dessa falta de ar e nada é encontrado, a não ser o sintoma em si. A pessoa tem um sonho: está olhando para um pássaro preso em uma gaiola; o pássaro tem um canto tão triste que faz a pessoa chorar.
A pessoa relata esse sonho em uma sessão de análise e percebe, ao contar, que a tristeza do canto do pássaro é a mesma que tem sentido nos últimos tempos. Estará ela, assim como o pássaro, vivendo em uma linda gaiola, analogia perfeita para a "caixa respiratória", num lugar protegido, mas restrito. Estará seu ser precisando de uma expansão que a vida na gaiola não permite? Estará pronta para lutar pelo exercício dessa expansão?
A verdadeira ampliação da consciência é feita através de todos esses questionamentos e não há certo ou errado nas respostas encontradas. O que precisamos procurar é o que faz sentido para aquela pessoa, naquele momento e neste exemplo, não há como deixar de pensar que essa pessoa está vivendo de forma restrita e precisa ampliar seu campo vivencial ou… estará fadada a continuar com o sintoma físico da falta de ar, tão restritivo quanto a vivência psicológica.