por Blenda de Oliveira
“Sofro muito por isso. Minha filha já está com quase 4 anos e ainda não tive coragem de falar para ela, porque tenho medo de dizer que ela passou por maus tratos quando era bebê”
Resposta: Como grande parte das coisas na vida, a adoção tem aspectos positivos e negativos. Ninguém quer reconhecer o lado negativo, doloroso, ou seja , a perda.
O próprio ato de adoção é iniciado porque houve uma perda, de ambos os lados – da criança adotada e dos pais adotivos.
Não é à toa que muitos pais adotivos têm enorme dificuldade de trazer a verdade para os filhos, pois é um diálogo que passa também pela dor. Para iniciar o processo de devolver ao filho adotivo sua real história, é importante não negar que passará pela dor. Por isso todos os envolvidos devem ter a permissão de rever emocionalmente a dor, a raiva, o pesar, as lágrimas e, aí então, permitirem-se amar e serem amados.
Com isso quero lhe dizer que sua dificuldade é partilhada por muitas pessoas, mas haverá maiores dificuldades se não puder falar sobre a história de sua filha para ela.
Nos anos 40, 50 a orientação para muitos pais adotivos era simplesmente: “Toque a vida para sempre e deixe isso para trás, crianças e bebês não se lembram de nada”. Isso foi se mostrando falho e perigoso, pois muitas crianças adotivas desenvolviam comportamentos que eram um pedido para que tomassem conhecimento de sua real história ou passavam a saber por terceiros ou muito tardiamente e, não poucas vezes, tinham um sentimento de traição por parte dos pais adotivos. É um direito da criança adotiva saber sua história e quanto mais cedo melhor.
Quando começar a revelar… palavras certas, mas com naturalidade
A rigor uma criança deve saber desde o momento em que chega. A mãe vai revelando ao bebê, mesmo que não entenda as palavras, ele registra as emoções. Palavras como adoção, adotivo, filho do coração são coisas que preparam também os pais para mais e mais tratarem desse assunto com maior naturalidade possível. E quando a criança for crescida, a disposição emocional dos pais é importante para enfrentar essas conversas, pois já que é uma criança crescida, com certeza, haverá reações, muitas vezes pouco claras, mas que ainda assim falam sobre o novo fato.
É importante que os pais adotivos estejam preparados para as reações que a criança possa vir a ter após a revelação; que eles sejam suficientemente seguros e amorosos para segurar as instabilidades próprias dessa situação.
Como revelar a uma criança já meio crescida?
Você pode iniciar, junto com seu marido, a conversa sobre a adoção por meio de uma historinha que pode ser desenhada escrita por todos vocês. Aos poucos vocês irão construir a história do início da família de vocês e da família biológica de sua filha. Os pais vivem um fantasma que podem ser menos amados ou rejeitados caso a verdade da adoção seja revelada, mas considerem que mesmo havendo passagens mais desafiadoras, carregadas de muitas emoções e às vezes momentos em que ficarão mais perdidos, sigam firme com a realidade como ela foi e é; acreditem, as crianças sabem mais do que imaginamos e são mais fortes que consideramos.
É a partir da revelação que os laços de amor podem ser construídos e todos podem ampliar a capacidade de amar, perdoar, de entender os defeitos e as fraquezas humanas. Esse são os ganhos numa situação na qual decidimos adotar crianças.
Termino citando Dra Betty Lifton, especialista americana em adoção, ela diz:
“Para mim, uma mãe de verdade é uma que reconheça e respeite a identidade global de seu filho e não lhe peça para negar qualquer parte de si mesmo”.
Acesse o mundo de sua filha e, aos poucos, vá encontrando um modo de vocês poderem lidar com essa realidade que pode ser dura, mas passa a ser tão amorosamente respeitada, que é possível conviver com ela sem ressentimentos e mágoas.
Sugiro que leia o livro: Vinte coisas que filhos adotados gostariam que seus pais adotivos soubessem – Sherrie Eldridge – Editora Globo. Isso poderá ajudá-la muito nesse momento.
Desejo que tenham longas e profundas conversas com sua filha e possam todos juntos viver a riqueza desse momento.