Por Paulo Annunziata Lopes – Psicólogo componente da equipe do NPPI
Os avanços tecnológicos no campo da medicina têm trazido benefícios constantes para a saúde daqueles que têm acesso às práticas mais modernas em saúde. Transplantes têm cada vez maior chance de sucesso, portadores de HIV podem viver por muito tempo e com boa qualidade de vida, cada vez mais tipos de câncer são passíveis de tratamento e cura.
Na esteira destas evoluções, surgem formas de tratamento e/ou cura que se utilizam do acoplamento do corpo humano com a máquina. Desde o velho conhecido marcapasso, até o implante de sensores elétricos que substituem partes da retina do olho humano, as soluções em medicina têm se utilizado cada vez mais das chances de se juntar partes humanas com dispositivos não- humanos.
Neste contexto, as ciências da saúde vêm também respondendo às demandas que não são exatamente as da cura ou da correção de doenças. Antes, o indivíduo saudável era aquele que não apresentava anomalias ou doenças que de alguma maneira o ameaçavam. Agora tal noção de saúde começa a cair por terra em prol da manipulação do corpo para se obter sempre MAIS e mais. Explicando: não basta garantir a performance natural, normal do corpo e da mente. Agora buscamos ir além daquilo que nos é dado pela natureza.
Num consultório de cirurgia plástica, o médico usa um editor de imagens para, a partir de uma foto do cliente, mostrar como ele pode ficar MAIS bonito. Não falo aqui de pessoas que necessitam de cirurgia plástica, mas daquelas que querem mais apenas porque nosso mundo lhes diz que não são suficientes, que não têm tanto valor assim, se permanecerem em seu estado ‘natural’. Numa academia de musculação nos deparamos com figuras exageradamente musculosas e também com a circulação e a discussão aberta sobre anabolizantes, qual uso pode se fazer deles, quais podemos tomar e os resultados esperados.
Revistas femininas lançam semanalmente dietas milagrosas e programas de exercícios que prometem transformar seu corpo.
Falando da mente humana, cientistas estudam hoje, entre outras coisas, formas de acoplar chips aos circuitos elétricos cerebrais a fim de, por exemplo, aumentar em larga escala nossa capacidade de memória.
Parece que o processo evolutivo que deu origem ao homo sapiens está agora sendo considerado lento. O organismo humano é cada vez mais visto como obsoleto, precisando ser atualizado, modificado, e levado a lugares que ultrapassam seu estado original. Como um computador que precisa constantemente de atualizações e revisões, de forma a continuar tendo valor.
Nossa tecnologia serve para sermos melhores? Melhores em performance, com certeza, mas, mais uma vez ela não ajuda a construir valores e ética – muito pelo contrário, deturpa nossa visão em algumas situações. Não se trata de negar a tecnologia ou de desprezá-la em prol da nostalgia de um modo de vida antigo qualquer. Entretanto é preciso poder questionar o que nos é proposto, oferecido e vendido: Para onde pode nos levar a utilização pura e simples deste aparato tecnológico ? Que tipo de pessoas nos tornaremos, ao abraçar e adotar cegamente a aplicação destes avanços tecnológicos?