Por Patrícia Gebrim
Será que você sabe o quanto é belo? Em meio a tantas pressões e distorções, muitos de nós têm se esquecido de enxergar a verdadeira beleza.
Ah, se soubéssemos… Se soubéssemos que a vida não nos quer perfeitos, nem santos, nem pecadores, nem reclusos, nem expostos, nem mundanos, tampouco puramente luminosos. A vida não nos quer mais magros, mais loiros, mais altos ou baixos, mas atléticos. A vida não se importa com imagens refletidas em espelhos. A vida só nos quer reais. Não há nada mais belo do que alguém real.
A vida anseia por nossa coragem de nos virarmos do avesso, sem medo de mostrar o que adormece em nosso íntimo. A vida quer a inteireza daquele que se apropria do pesadelo que habita sua caverna.
Quer a sutil delicadeza daquele que floresce as sementes que tem no peito. Todos temos no peito um jardim, caso ainda não saibam. No exato instante em que acontece o casamento sagrado entre o ser e o estar, a percepção de separatividade se dissolve em um sentimento de profunda inteireza. É quando enxergamos a beleza. É quando nos vem a paz de ser apenas aquilo que somos.
Outro dia eu caminhava por uma trilha na natureza quando, de um instante para o outro senti tudo ficar sagrado. Me veio a sensação plena e contundente de que tudo estava vivo, e esse foi um dos momentos mais intensos da minha existência. Como explicar algo assim? A fotografia é sempre uma cópia, e por mais bela que seja, lhe escapa a alma, que não se deixa aprisionar.
A beleza não está na coisa em si, no nascer do Sol, no sorriso da criança ou no salto do golfinho. A beleza está na intensidade do todo que se manifesta naquele momento. No fato de que, por um instante, tudo se conectou nessa teia indestrutível que é a vida. O momento é a porta, mas é a profunda conexão com a vida que nos arrebata. A beleza transformadora está na súbita consciência de que já está tudo aqui. Agora. Sempre esteve. Sempre estará. Nada falta. Nada morre. Tudo é.
Por isso, talvez, naquele dia enquanto caminhava, eu senti que estava tão plena que poderia até morrer. Linda forma de morrer. Morrer de beleza.
A beleza pulsa ao nosso redor por toda a parte. Existem pessoas que, de tão belas, causam uma explosão dentro da gente, pessoas que nasceram invertidas e por um golpe do destino ficaram com a alma pelo lado de fora. Chamo essas pessoas de faróis, pois ao olhar em sua direção acabamos encontrando algo que existe também dentro de nós, e nos lembramos, e reencontramos o caminho de volta para casa. Nutro uma profunda gratidão por pessoas assim.
Neste mundo tão cheio de certezas, vez ou outra eu encontro um desses divinos faróis humanos, que fazem tudo parecer lindo, tão lindo que faz a vida valer a pena. Foi num momento desses que encontrei a menina sagrada. Olhos da cor do céu e uma pele tão fina que o dentro lhe escapava pelos poros. Sua passagem causava algo nas pessoas, que subitamente despertavam e saiam pela vida em busca de seus próprios tesouros. A menina deixava um rastro de vida por onde quer que caminhasse, embora não se desse conta disso.
Um dia me procurou, e a menina tinha lágrimas nos olhos e os ombros tensos de susto. De repente o mundo lhe parecia estranho, e nada parecia fazer sentido. O peito arfante como o do beija-flor logo após um longo voo, as cores todas misturadas, o dentro e o fora mesclados numa combinação maravilhosa, visível para tão poucos.
A maioria mal enxergava suas asas, e por não as enxergar, as negava. Algo a oprimia por dentro e percebia-se claramente que seu abdome se distendia, lembrando um quadro de Ganesh que vi certo dia.
– Não tema, menina
Sua mão transpirava dentro da minha e ela parecia prestes a perder os sentidos a cada instante. Então veio uma respiração profunda, como o sopro do vento na tela de Botticcelli. Ela arfou, seu peito se elevou, o ventre se esticou ainda mais, e numa explosão de cores, toda uma galáxia começou a nascer de dentro dela. Estrelas de todas as cores e tamanhos, cometas, planetas, buracos brancos e negros, flores, borboletas, ideias, sonhos, rios e oceanos, fadinhas, mandalas e amor, tanto amor que naquele dia foi como se a própria Vênus tivesse nascido mais uma vez. Em paz, enfim, ela se constelou. Seu nome era Alma.
A beleza pode curar você, basta que você vá até ela e se deite, docemente, em seus braços.
Extraído do livro de Patrícia Gebrim “Deixe a Selva para os leões – Inspirações para bem viver nos dias de hoje” – para ler capítulo anterior – clique aqui.