A dor é a mãe do amor

Por Patrícia Gebrim
 
Não há como passar por esta vida sem sermos, em algum momento, tocados pela dor.

Certo dia, voltando para casa por entre um mar de carros, de repente me percebi observando as pessoas pelas ruas, seus rostos exaustos, os olhares perdidos em lugares que talvez nem mesmo elas soubessem encontrar. Como se uma venda tivesse sido tirada de sobre meus olhos, naquele instante vi naqueles rostos toda a dor, desespero e falta de esperança humanos. Fui invadida por uma tristeza de uma profundidade abissal. Meu coração já não era meu, foi tomado emprestado pelo Universo e toda aquela dor foi sendo sugada lá para dentro, numa intensidade insuportável, até que aconteceu… A explosão.  E bem lá, no centro do meu peito, uma estrela nasceu do nada, uma estrela linda e luminosa. Subitamente compreendi a razão da existência daquilo que chamamos dor. A dor, muitas vezes, é a mãe do amor.

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Frente às arestas do mundo, duas saídas se apresentam. Uns sofrem. Outros, recorrem à anestesia, nada sentem. Não existe nada mais perigoso. Tenho medo de quem não sente nada. Falta-lhes pele, sensibilidade. É assustador. Não devemos, jamais, temer a dor. Algum dia, se tivermos sorte, se ainda estivermos vivos, a dor fará com que uma lágrima escape de nossos olhos cansados. Acreditem. Uma única lágrima. É tudo o que precisamos. Uma única lágrima, vinda de nossas profundezas, daquela parte de nós que nunca morre. Vinda da nossa verdade, da nossa sabedoria, do lago sagrado que repousa no centro de nosso peito. Com ela vem a matriz da vida que somos, e a possibilidade do novo, do renascimento, de uma consciência maior.

Dessa única gota de vida, todo um deserto pode voltar a viver, se não tivermos perdido a sensibilidade, se não tivermos nos transformado em estátuas de sal. A lagrima rola, junto a nossos pés, e lá, da minúscula poça salgada, o milagre começa a acontecer. Um mínimo ponto verde brota da terra seca, frágil, trêmulo, vencendo a aspereza que se instalou em nossa vida. E aqui e ali, pequenas ilhas de vida começam a aparecer. E surgem alguns pensamentos amorosos, e um olhar mais compassivo. E gestos de cuidado, cuidado com nós mesmos, com os outros, com a natureza. E essa grama nova começa a atrair experiências. Aos poucos, outras plantas começam a surgir ao nosso redor, e pessoas, e pássaros, e borboletas. E um dia são tantas as borboletas que acabamos aprendendo sobre a fluida leveza de seu voo. Sim, porque as borboletas aqui estão para nos ensinar que somos leves a ponto de voar. Podemos nos transformar em cores que voam, e é assim que finalmente nos libertamos, e passamos a colorir o mundo com nossa beleza.

Se temos uma imensa capacidade de transformar beleza em feiura, acreditem, é ainda maior a nossa capacidade de transformar o feio na mais sublime expressão da beleza da nossa alma.

Talvez tudo comece com uma lágrima, seja ela de tristeza ou de saudade de nosso verdadeiro lar, que é como um jardim onde nos encontramos todos, para brincar, amar e celebrar nosso infinito potencial de amar.

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O ovo precisa ser quebrado para que as asas possam nascer.

Extraído do livro de Patrícia Gebrim “Deixe a Selva para os leões – Inspirações para bem viver nos dias de hoje” – para ler capítulo anterior – clique aqui.

 

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