Entenda a relação entre a ilusão de sermos livres e a tendência do jovem, nos tempos atuais, em retornar à inocência
Creio que alguns eventos sejam extremamente significativos não só com relação àquilo que estamos vivendo nesse momento como com respeito àquilo que as próximas gerações viverão. Isso porque ninguém existe no vácuo, como se pudesse adotar um estilo de vida radicalmente distinto de tudo o que existe em um momento e em uma sociedade específica.
A ilusão de sermos livres é muito reconfortante e não parece fazer tão mal assim. A não ser, é claro, quando enviesa nossa percepção de uma maneira tão intensa que simplesmente não somos mais capazes de articular nossas ações com o nosso ambiente. Ou seja, a ilusão da liberdade só é ruim quando compromete nossas ações. No mais ela é boa e não creio que seja necessário lutarmos contra ela.
De qualquer modo, acreditarmos que somos capazes de saltar sobre as nossas condições sociais e adotar um estilo de vida desconectado do entorno é mesmo uma ilusão. Reconhecer isso nos permite estar em condições de perceber algumas tendências que existem hoje e que serão importantes logo ali na frente.
Retorno do jovem à inocência
Disse isso para entrar no assunto. Trata-se de algo bastante trivial e que talvez muitos leitores já tenham percebido. Vi uma foto no Facebook de uma jovem comemorando seus 24 anos. Nessa foto, ela se encontrava deitada em posição fetal. Todo o seu corpo estava envolvido por uma espécie de manta – como se faz para agasalhar os bebês e ela tinha uma chupeta na boca.
Não me parece razoável compreender o anseio pelo retorno da infância como mera questão psicológica, talvez como a expressão de um desejo individual pela regressão ao nosso estado de inocência original. Vejo nisso algo diferente e que merece alguma atenção se pensarmos que se trata de uma tendência.
Como sabemos que se trata de uma tendência? Pelo cheiro. Infelizmente para aqueles que são analistas profissionais isso deve parecer descabido. Mas não existe um método para separar o que pode ser significativo do que não é. Somente a experiência do analista pode auxiliá-lo a escolher uma foto entre todas as outras. Enfim, acho que essa foto tem um cheiro muito particular, cheiro de bebê!
Não tenho a intenção de criticar os jovens porque sou de outra geração. Isso seria apenas fazer valer uma diferença que já existe no início e que me impediria de entender essa foto. Por isso, creio que deveríamos levá-la a sério além do moralismo condenatório. Desse último ponto de vista se trata somente de infantilidade individual, de um desejo de se manter protegido e, ao mesmo tempo, de permanecer no solo das infinitas possibilidades da tenra infância.
Me parece melhor considerar isso como um desejo de ternura, por um estágio da vida em que ainda não sentimos a dureza da condição humana. Afinal, se trata da época em que ainda não estamos contaminados pela condição terrena. Nossos músculos ainda não se exercitaram e nem adquiriam a rigidez necessária para caminhar de uma única maneira, de colocar-se em posição ereta contra a gravidade. Ou seja, na infância ainda não somos decididamente desse mundo. Somos simplesmente a potência para estarmos aqui de várias formas sem, no entanto, ter ainda assumido nenhuma delas. Não estamos ainda comprometidos com nada desse mundo.
O que devemos atentar, então, é que as próximas gerações possuirão – se o cheiro for um bom indício – a tendência a viverem descompromissados com as necessidades imediatas da vida. Isso é bom ou ruim? Isso é bom para quem a vive e deve parecer péssimo para nós que observamos do passado.
Não há nada melhor do que viver sem sentir a pressão dos compromissos, sem endurecer-se na peleja pela existência, sem tornar-se rígido para o combate. Mas, como ficará o mundo? Talvez fique mais infantil, menos agressivo, mais tênue, com mais prazer. Talvez tudo funcione pior – porque o bom funcionamento exige rigidez. Mas, enfim, o que é o mal funcionamento para quem pode ter ternura?
Acho que já encontrei minha fantasia para o 57º aniversário!