por Angelina Garcia
Meu Deus, como administrar o tempo! Resmungava Valéria, correndo de lá para cá, sem atinar que estava, na verdade, sendo comandada por ele. Pedia mais tempo: que não amanhecesse, para conseguir por o sono em dia; que o dia se alongasse, para dar conta de tudo; que o tempo parasse e lhe desse um tempo de ficar quietinha consigo e pensar o que realmente queria fazer com o seu tempo. Percebeu, então, que o tempo eram dois, o da sua vontade e o da vontade das pessoas e das coisas ao seu redor – este muitas vezes fruto apenas de sua imaginação -, e quase nunca andavam juntos.
Frente a uma pergunta, por exemplo, está o tempo do outro me aguardando. Enquanto ele espera, vou organizando minha fala. Independente da complexidade da questão, ela me obriga a várias operações mentais para reunir o que sei, escolher o que acho mais adequado e elaborar a resposta, contando, nesse processo, com as sensações que toda pergunta desencadeia de imediato, incerteza, insegurança, medo. Cada um lida com tudo isso a seu tempo, enquanto o outro continua esperando no tempo dele. Como não sei qual é, sinto-me pressionado. O resultado, muitas vezes, é de se atropelar o processo e responder qualquer coisa, só para responder, livrar-se. Depois fico me martirizando por não ter dito o que queria, o que sabia.
Alguns afirmam que se guiam pelo tempo interno e, por mais que se esforcem, não conseguem acompanhar as exigências do lado de fora, ou por acreditarem que ainda dá para ficar mais cinco minutos na cama, ou pela dificuldade em priorizar tarefas, ou por permitirem ao outro tomar-lhe um tempo maior do que realmente dispõem. Seja pelo que for, sentem-se em estado permanente de apreensão, pois sabem de antemão que vão se atrasar.
O tempo cronológico, então, parece acelerado demais. Vivemos reclamando de falta de tempo, comparando o tempo do campo com o da cidade, o tempo dos nossos avós com o atual; ou mesmo o tempo de nossa infância e adolescência com o da idade adulta. Mudaram-se as demandas e nosso desejo é de que o tempo pudesse atendê-las.
Coisas e pessoas continuarão chamando, exigindo, cobrando, não há como mudar isso. Mas podemos encontrar, sim, novas formas de tratá-los, deitando meia hora mais cedo para dormir o suficiente; acordando dez minutos antes para tomar café com tranqüilidade e não deixar que o mau humor nos acompanhe o dia todo; dizendo ao outro, quando necessário, “agora não posso”; pedindo um tempo maior para formular determinada resposta e, especialmente, fazendo escolhas; aquelas que nos deixarão a sensação de ter aproveitado bem o tempo.
Os ciclos pessoais também devem ser respeitados. Não sou o mesmo o tempo todo. Tempo de arar, de semear, de cuidar, de contemplar, de colher. Se atropelo uma, comprometo outra etapa. Contando, ainda, que sol e chuva se façam presentes no melhor tempo.
Quanto ao “peso da idade”, é possível contrariar esta máxima. Em vez de acalentarmos as inevitáveis frustrações, ruminarmos mágoas e ressentimentos, ou nos entregarmos a queixas e lamentações, podemos valorizar o que aprendemos em “tanto tempo”, transformando-o em histórias, em álbum de família, em pinturas, em esculturas, em bordados, em tantos mais, e ofertá-los ao outro; ao genro, à nora, ao neto, ao vizinho, ao amigo; quem seja. Livramo-nos do peso para viver a leveza da idade.
“Viver o seu tempo” pode tanto significar estar antenado às coisas à sua volta, como atender com carinho ao que lhe restou como precioso. O bom mesmo é promover esse encontro e conquistar liberdade para usar o tempo.