A racionalidade ajuda na busca da felicidade? 

Quando se busca a felicidade, a rigidez, para a qual a racionalidade tende, torna essa busca ineficiente. Então, é preciso alinhar o prumo do seu conjunto de crenças, flexibilizando-as,  para poder quebrar essa rigidez; entenda   

Sabemos que existe um processo em curso de racionalização da vida humana. Isso está evidente por toda parte. Regras de trânsito servem para impor racionalidade ao comportamento de motoristas, campanhas de vacinação fazem o mesmo pela saúde da população, o Estado acrescenta ordem às relações sociais, o trabalho é gerido por uma lógica de se gerar lucros, a ciência tende cada vez mais a se converter em uma autoridade sobre como viver etc. Em qualquer um dos mínimos detalhes de nossas vidas podemos ver como a razão ganha mais e mais terreno.

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A racionalidade é uma boa estratégia para se buscar a felicidade? 

Por outro lado, é discutível se viver racionalmente é uma boa estratégia para se chegar à felicidade. Claro que é muito difícil saber exatamente o que significa ser feliz. Acredito, inclusive, que essa é uma definição variável, que oscila em função das épocas, das pessoas, dos estilos de vida. De qualquer forma, mesmo com uma noção vaga do que seja a felicidade, ainda assim podemos verificar em alguma medida se a racionalidade está ligada a ela.

Rigidez: por que o excesso de coerência traz infelicidade

Muitas pessoas são infelizes por excesso de coerência. É comum que se eleja um conjunto de crenças como sendo verdadeiras, das quais não abrimos mão e a partir das quais tentamos articular um padrão existencial, uma forma de viver.

Assim que nos consolidamos como seres humanos autônomos, nos colocamos em condições de escolher como iremos viver, o que julgamos importante e para onde iremos dirigir nossos esforços. Claro que nem sempre isso é plenamente consciente, mas a passagem da adolescência para a vida adulta envolve essa capacidade de tomar o destino em nossas próprias mãos – dentro das limitações em que cada um vive.

Essa atitude de tomar o destino nas mãos envolve sempre um conjunto de crenças. Essas crenças tendem, ao longo do tempo, a se consolidarem e a ganharem terreno no interior de nosso comportamento. É como se as nossas escolhas fossem colonizando nossas vidas e dominando tudo à sua volta. Elas possuem uma verdadeira tendência a se expandirem e se consolidarem como um estilo de vida.

Como as crenças começam a nos dominar

Começamos a nos sentir confortáveis com nossas crenças

Uma pessoa pode passar toda a sua vida tentando fazer com que esse conjunto de crenças se torne dominante. Depois de um certo tempo, elas começam a funcionar de maneira autônoma, já que foram usadas como critérios repetidamente por nós. Isso quer dizer que vamos adotando um certo estilo, uma certa maneira de resolver problemas, um certo modo de agir. Ou seja, algumas crenças vão realmente se tornando hegemônicas sobre nós ao longo do tempo.

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Como nossas vidas têm se tornado cada vez mais racionais, é natural que isso facilite esse processo de colonização. Afinal, o efeito dessas crenças é o de homogeneizar a paisagem, formar padrões de ação e unificar uma grande paisagem. Os processos de racionalização fazem o mesmo: elas passam a dominar os vários aspectos de nossas vidas.

Entretanto, isso nos diz como, depois de uma escolha mais ou menos consciente, as crenças passam a nos dominar. Começamos a nos sentir tão confortáveis com elas que simplesmente desligamos qualquer suspeita e nos deixamos levar, seguindo a corrente formada por uma energia que se torna, mais e mais poderosa. Eventualmente podemos perceber sinais de que há algo errado com a direção que tomamos lá atrás, mas como já nos habituamos ao curso que assumimos, eliminamos essa sensação de desconforto. Na verdade, desligamos os sinais de alerta e deixamos a vida nos levar.

Como a vida sempre muda, crenças que funcionavam no passado, deixam de funcionar

O problema é que a vida é mutável. A felicidade certamente deve variar de acordo com a idade e as circunstâncias. Então, qualquer conjunto de crenças está condenado a deixar de funcionar para nós. Isso ocorre simplesmente porque tudo por aqui, nesse mundo, é mutável. A rigidez, para a qual a racionalidade tende, termina por se tornar ineficiente quando buscamos a felicidade. O que escolhemos na juventude não pode funcionar na idade adulta, simplesmente porque nos tornamos pessoas diferentes. As respostas que somos capazes de oferecer na idade adulta deixam de fazer sentido na velhice.         

Portanto, nenhum conjunto de crenças pode funcionar ao longo de nossas vidas do mesmo modo. Nenhum deles pode nos oferecer a possibilidade de sermos felizes ao longo da vida. Tudo indica que o melhor mesmo é fazer a vida variar, tornar nossas crenças flexíveis como o restante de tudo o que nos cerca. Afinal, de que serve crenças sólidas em uma viagem infinita a bordo de um planeta através do vazio?

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Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie