por Dulce Magalhães
Tenho refletido sobre o mundo e minha relação com ele. Ao longo dos últimos anos, a cada dia, percebo mais claramente a ideia de que não há uma “realidade” fora de nós. Tudo que há no externo são fatos e dados, a realidade é o conceito, os sentimentos e a interpretação que dou a eles.
Realidade, portanto, é fruto de nossa interação com o externo – fatos e dados – e tem a exata medida de nossa forma de ver e viver o mundo. Assim sendo, haverá tantas realidades quantos forem os indivíduos.
Realidade, nesse contexto, é diferente de Verdade, com V maiúsculo mesmo, pois essa Verdade não é alcançável, justamente porque nós não temos condições de conhecê-la, na medida que vivemos a realidade que criamos a partir de parâmetros internos.
Quando estamos “defendendo a Verdade”, estamos, de fato, defendendo “nossa realidade”. Até porque, pensemos bem, a Verdade não precisa de defensores, ela é por si.
Se aceitarmos essa premissa aqui estabelecida, então, podemos pensar que a realidade que estamos vivendo foi criada por nós mesmos. Contudo, agora a coisa se complica, afinal há desequilíbrios e injustiças tão grandes, com as quais não concordamos, com as quais não compactuamos, que não podem ser “criações” nossas.
Alguns luminares do pensamento mundial, filósofos, teólogos, cientistas, avatares, muitos já afirmaram que a realidade é fruto de nós e de nossas crenças e experiências. Não é fácil aceitar que a fome na Somália sou eu que crio, como assim? O mundo não pode ser uma matriz de minha visão e ter coisas que não gosto, não aceito, não quero, não concordo, não aprovo.
Porém, para conversar contigo neste nosso espaço, me dedico a pensar sobre o tema. Vem a dúvida: será? Serei eu a criadora das mazelas, se for mesmo, desde já peço perdão. Mas, para além de qualquer culpa, penso que se faço, posso desfazer. Essa seria a prova concreta de que a realidade que vivo é fruto direto de minha visão de mundo.
Resolvo eleger um ítem, umzinho, só para começar. Escolho um tema que tem grande importância para mim: A IGUALDADE. Aqui vale definir que igualdade não é tornar todo mundo igual, mas tratar a diversidade de uma forma igualmente justa. Ou seja, oportunidades iguais para diferentes demandas exigem ajustes e escalas, justamente para não criar desigualdade.
Complicado, não é? Mas, não desanime não, vai ficar muito pior, antes de melhorar.
Muito bem, desejo a Igualdade, refuto a exclusão, a opressão, a falta de oportunidades, a carência em qualquer nível. Então repasso cada um dos meus atos e percebo que é fácil, muito fácil desejar a igualdade, o difícil mesmo é querer ser igual. Quero a igualdade, mas não quero abrir mão dos privilégios que só se dão aos privilegiados. Não quero perder vantagens que só alguns têm. Não quero ter tratamento “igual” a todo mundo em determinados lugares, situações e circunstâncias.
Quero a igualdade, desde que eu não tenha que ser igual. Afinal, se abro mão da vantagem de uma fila especial, terei que participar da enorme fila em que entra “todo mundo”. Quero um carro para mim, para meus interesses, à minha disposição. Afinal, tenho direito, trabalho para isso, fiz por merecer. Mas, fico preocupada com o aumento do tráfego e com o congestionamento crescente de nossas cidades. Não quero o transporte “coletivo”, quero o privilégio e o conforto do “especialmente” meu meio, meu carro, minha via.
Você consegue perceber o tamanho da confusão em que me meti? Agora não tem mais volta. Eu sou uma criadora de desigualdades e não adianta bradar pela Igualdade, pois ela não acontecerá enquanto eu não mudar. Isso que só fiquei num tema, que mal comecei e já vejo o tamanho da tarefa. Eu posso, neste contexto, mudar o mundo. Posso tornar o mundo mais igual quando for capaz de abrir mão de meus privilégios excludentes. Entrar na fila de “todo mundo”, pegar carona no carro de “todo mundo”.
Claro que há padrões de mundo que é preciso elevar até a minha condição já conquistada, por exemplo, o mínimo de três refeições diárias, um quarto confortável para dormir, enfim, condições básicas. Ufa! Que bom que não preciso abrir mão disso, preciso é encontrar um meio de fazer isso chegar a todo mundo. Olhando da perspectiva do “abrir mão”, parece mais fácil “levar a todo mundo”. Incrível, não é?
Como sempre, parece mais fácil mudar o mundo ao redor do que o interior. O mais próximo é sempre o mais distante enquanto não eliminarmos a dificuldade de “ser a mudança que queremos ver no mundo”, como nos ensinou Mahatma Gandhi.