Jung era um pesquisador mais preocupado com a expansão de seu conhecimento do que com a reafirmação de suas descobertas. Praticava uma atitude aberta que fez com que considerasse inadequada a existência de uma escola junguiana. Dizia ele: “Quero que as pessoas sejam, sobretudo, elas mesmas. Os ismos são os vírus de nossa época, responsáveis por desgraças maiores do que aquelas causadas por qualquer praga ou peste medieval.” (POST,1992, pg. 12)
Não há como não pensar na atualidade desta colocação. Jung já percebia o caráter fundamentalista e rígido que acompanha todas as escolas, religiões e agremiações organizadas em torno de uma ideia central. Nelas o ser humano individual se mistura e confunde com o grupal e tem sua liberdade de funcionamento profundamente comprometida. A ênfase colocada na importância do reconhecimento do mito pessoal tem a ver com a necessidade de uma atuação verdadeira. Só pode ser real aquilo que tem um sentido verdadeiro para o sujeito em questão. E apenas um indivíduo alinhado com sua expressão mais profunda será verdadeiro.
Verdade única: onipotência
Assim, qualquer teoria ou prática tem de ser pensada levando em conta tanto o terapeuta em questão quanto o momento sociocultural em que vive. Ou seja, não é possível pensar uma teoria apartada da cultura da época. No entanto, acreditar ou pior pregar que a minha verdade é a única possível pode ser, no mínimo, de uma profunda onipotência.
Aprendemos em nosso trabalho, a considerar sempre a realidade da vivência do paciente, ajudando-o com nossos conhecimentos a funcionar melhor no mundo em que vive. Muitas vezes, o paciente em questão, professa crenças muito diferentes das nossas o que causa espanto e estranheza. O exercício, nestes momentos, é usar todo nosso repertório para ajuda-lo em sua dor ou sofrimento, sem julgamentos, sem preconceitos. Sim porque o sujeito que nos procura está em busca de cuidado, e esse é nossa função. Claro, cada um de nós tem impedimentos, situações que não queremos atender, questões que são impossíveis de lidar e o melhor a fazer nesses casos é abrir mão do trabalho, encaminhar o paciente.
Atitudes polares exacerbadas
Todo cuidado é pouco! Estamos atravessando épocas turbulentas, momento delicado no qual atitudes polares estão muito exacerbadas. Todos têm razão, todos têm a sua verdade, melhor e mais verdadeira que a verdade do outro.
Há uma grande dificuldade em reconhecer e validar a razão e os motivos do outro, do diferente. Não estamos conseguindo dialogar e viver com o que não está de acordo conosco, com nossas crenças. Temos tido dificuldade em comungar com o semelhante, só porque não estamos conseguindo perceber as semelhanças tamanha a ênfase nas diferenças, tamanha a necessidade de reafirmar a “verdade”. O outro, o humano, o igual a mim, está soterrado sob as inabaláveis certezas, sob a arrogância do verdadeiro conhecimento, do caminho correto.
Não há como viver melhor enquanto não pudermos encontrar o outro em sua semelhança e em sua diferença ou em sua inteireza. E como fazer isso? Fazendo uso de uma atitude crítica, reflexiva, que consiga integrar ou dialogar com a verdade, seja ela qual for. Pensando na arte, enquanto possibilidade criativa de conhecimento do mundo, sugiro a leitura do poema “Verdade” de Carlos Drummond de Andrade. Assista ao vídeo.