Aceite a própria vulnerabilidade

Errar e passar vergonha fazem parte da natureza humana. E a mediocridade pode se ocultar no desejo pela perfeição

Em tempos de nova etiqueta de ação e relacionamento, em meio a esta pandemia, as gafes são parte da rotina. Até aprendermos a lidar com este “novo normal”, expressão que reluto em usar, mas que orienta nossa conduta para o momento, muitas falhas serão cometidas. Muito desconforto será gerado, em nós e naqueles com quem interagimos. E não há grande coisa que se possa fazer sobre isso, até que tudo se restabeleça ou se renove. O que não percebemos, no entanto, é que esse é um recorte da vida como sempre foi (de novo, nada, e de norma, tudo).

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Sempre erramos em todos os ambientes normativos: famíliar, profissional, social, acadêmico… E sempre odiando a sensação que nos invade quando isso acontece. Perseguimos o bem-estar da perfeição. Não que seja errado buscá-la, ainda que esta seja impossível. O ponto de reflexão é que, estando nosso bem-estar e plenitude intimamente ligados ao exercício de nossa essência, o que nos define, afinal, nessa busca? O erro? O constante desenvolvimento? O controle da situação? Qual resposta nos faria mais feliz? (E qual seria a mais adequada?)

Evitar ou contornar uma falha, em qualquer instância da vida, soam como os grandes desafios de nossa existência, ao esbarrar na forma como o erro é capaz de moldar nossa identidade (e felicidade). Mas a resposta a essas questões pode ser mais simples do que pensamos.

Diferentes entendimentos geram equívocos

Ocorre que é inevitável desagradar alguém, fazer besteira. E isso muitas vezes pouco diz respeito a quem de fato somos. Errar é humano, e erramos pela simples razão de que somos diferentes uns dos outros: causamos impressões diferentes entre os nossos. Entendemos as regras segundo interpretações bem pessoais. Então ultrapassamos sinais, ferimos suscetibilidades, muitas vezes sem intenção e em outras com o entendimento de que é o correto a se fazer. Falhamos, conscientemente ou não, também do alto dos melhores gestos, sentimentos, esforços. Quem diz que “de boas intenções o inferno está cheio” ignora nossa busca incessante pela solução mais acertada. Nos define exclusivamente como maus, nos retira a possibilidade de sucesso e imputa o estigma da imperfeição e do desajuste, mas não precisava ser assim.

A imperfeição deveria ser uma meta e não um estigma, pois integra a natureza humana

Ser imperfeito deveria ser meta, não estigma. Algo natural, sendo esta a situação em que nos encontramos: há sempre diferentes perspectivas sobre acertos, falhas e condutas. Há diferentes entendimentos sobre o que deve ser feito, embora a pretensa ética universal a reger os relacionamentos. Aqueles que lidam mal com seus tropeços o fazem simplesmente porque ignoram essa condição, e porque “assassinam” a humildade e a autenticidade, em nome de uma altivez que disfarça, mas não evita a vulnerabilidade. É preciso aceitar o que nos escapa, que somos vulneráveis, é preciso aceitar o erro e as desculpas como parte do processo de viver (e não como incidente). Temos livre-arbítrio e estamos fadados ao mau uso do recurso, infelizmente. Mas também temos metade das chances de usá-lo de modo positivo e se não o fazemos não necessariamente somos maus ou menos dignos de felicidade.

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Mais pragmatismo, menos julgamentos

Essa compreensão é, de fato, libertadora: nos permite apreender a falha e o desafeto apenas como consequência de uma decisão ruim, algo que não foi bem feito, de um laço mal-estabelecido (e tudo isso como algo normal), permitindo-nos identificar problemas e corrigir a rota. Algo como: “quebrou? Conserte”. Se não der, substitua. Se magoou, desculpe-se. Negligenciou? Busque entender os motivos e siga em seu caminho de evolução pessoal para que não aconteça novamente. Para o que não há remédio, o aprendizado e o tempo. Simples assim. O erro vem de nós e transcende. Não é algo que devemos carregar, portar, como um RG (ou uma cruz).

Tal visão nos dá a exata dimensão de nossa responsabilidade por nossos atos e do quão inútil é culpar-se tanto sobre uma falha ao passo que no momento seguinte podemos superá-la com uma ação que repara tudo, ou o próprio destino coloca tudo em seu lugar. Mas do lado de quem nos aponta um equívoco, tão natural quanto deveria ser essa compreensão, no entanto, é julgar, marcar o próximo como se não houvesse outra alternativa.

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Quem muito se culpa por seus próprios erros certamente já passou por essa “inquisição”. E quem os aponta não foi capaz de compreender a vulnerabilidade como algo intrínseco a todos (e, em especial, a si mesmo). Deve considerar-se perfeito, ou “satisfatoriamente certinho”, considerando-se que não há perfeição. O que pode sugerir que esse sujeito interrompeu sua busca por autodesenvolvimento. Não sei se você leitora, leitor, conseguiu responder às questões que conduziram a reflexão proposta neste artigo. Mas se perguntarmos a esse indivíduo inquisidor o que o define, a resposta poderia ser muitas coisas – se realista, ele diria que se define por uma “satisfatória incompletude”, ou se bem sincero, iria escancarar esse enorme eufemismo para sua grande estagnação e mediocridade.

Jussara Goyano é jornalista, empreendedora e coach certificada pelo Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento. Seu currículo inclui formações e atualizações ministradas por instituições como Unifesp, FGV e Instituto Brasileiro de Coaching. Possui mais de 10 anos de vivência executiva e experiência em gestão de pessoas e equipes. Promove sessões de Coaching, mentoria e palestras pela Jussara Goyano Bem-estar & Performance. Dirige a Ponto A – Comunicação & Conteúdo e a Ponto A Editora. Site: www.jgbemestareperformance.com