Acolher-se e acolher o outro: o que te impede de fazer isso?

Acolher o outro é uma virtude para um tempo de paz. O que está por trás da dificuldade em partilhar seus sentimentos com o o outro? Saiba que essa atitude intensifica os bons momentos e traz leveza aos difíceis.

Mesmo tendo vivido conflitos que datam da antiguidade, a história, infelizmente, ainda apresenta sinais de regressão. Ao longo dos anos, acreditava-se que muitos deles haviam sido superados, mas, na contramão deste pensamento, novas formas de egoísmo surgiram, culminando em uma perda de sentido social.

Se por um lado vemos uma sociedade cada vez mais globalizada e, tornando-nos cada vez mais “vizinhos”, por outro, existe uma indiferença instalada no comportamento humano. É como se estivéssemos mais sozinhos do que nunca.

Desconsiderar a história é, de certa forma, desconstruir tudo o que foi adquirido até aqui com relação aos conceitos de união e coletividade e, com isso, contribuir para a semeadura do desânimo e de desconfiança entre as pessoas. Assim, nessa luta de interesses, que coloca todos contra todos, em que vencer se torna sinônimo de destruir, como se pode levantar a cabeça para reconhecer o próximo?

O sentimento de pertença à mesma humanidade parece ter sido diluído e a vontade de construirmos juntos uma sociedade de justiça e paz tornou-se um sonho distante.

O contato físico cedeu espaço ao distanciamento virtual, ao isolamento. A essa nova realidade, somam-se os efeitos da ansiedade, depressão, transtornos alimentares, pensamentos suicidas, entre outros sintomas oriundos também dessa ausência de pertencimento.

Não acolher o outro por conta de uma ilusória onipotência

Oras, se nada mais é feito para durar, se tudo se apresenta com prazo de validade, pode-se dizer que o sentimento que comanda as relações humanas seria: “é melhor não ter do que ter e perder”. A busca pelo resultado rápido, porém, passageiro. Tal desilusão se esconde por trás da enganadora ilusão de que somos onipotentes. A distância entre a busca pelo próprio bem-estar e a felicidade partilhada parece aumentar.

Mas, esse abismo criado ao longo dos tempos, tomou um golpe com a pandemia, obrigando-nos a pensar (e sentir) de maneira coletiva. Nossas fragilidades foram expostas, deixando-nos vulneráveis e nos mostrando que só é possível atravessar uma tempestade se não estivermos sozinhos. A forma como a sociedade se organizou teve de ser repensada, e nossos hábitos e estilos de vida também.

Isso implica em, de fato, reconhecer e recuperar a paixão compartilhada por uma comunidade de pertença e de solidariedade, para a qual estejamos predispostos a destinar tempo, esforço e bens. Outro caminho – o da indiferença – tende a nos levar ao profundo estado de angústia e de vazio.

Não restam dúvidas de que os bons momentos, de alegria e felicidade, intensificam-se muito mais quando compartilhados, da mesma forma que os períodos difíceis ganham um toque de leveza quando divididos com familiares ou amigos.

Ainda assim, em nosso interior reside um quinhão de solidão e angústia que, se não observados atentamente, podem dominar nossa existência, daí chegamos ao que chamamos de “maturidade existencial”. Ou seja, a capacidade de viver tamanha alegria que só pode ser vivenciada por quem a recebe; e, por outro lado, a capacidade de suportar uma tremenda angústia, impossível de ser aliviada por qualquer outra pessoa, mesmo aquelas que mais amamos ou que fazem parte da nossa convivência.

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Mergulhar no silêncio, ouvir a alma: um clamor à existência

Por muitas vezes, nossa alma clama. Por outras tantas, ela grita. E só é possível ouvi-la através do silêncio. A linguagem silenciosa revela necessidades empurradas para uma não existência. Ela traz à tona nossos monstros internos, assim como nosso potencial construtivo para ressignificar construções anteriores, aprimorar nossa escuta.

A cultura do encontro está na capacidade de escutar o outro, de se despir da vestimenta narcisista, de dar atenção às necessidades do outro. É preciso silêncio para sair do nosso círculo.

O que esperar, então, para nossos dias? Acolhimento: de si e do outro. Lembrando sempre que a fé e a esperança, que garantem toda e qualquer transformação, podem ser abraçadas mesmo com o pouco que nos resta.

Só um olhar suave consegue sublocar aconchegos que, na insensatez das horas, não suspeitamos existir.

Ainda assim, apesar de tudo, de todos e de nós mesmos, para além das probabilidades, existe uma presença sagrada… existe Deus interagindo na vereda de todos nós. E, apesar de todas as inquietudes da vida, é possível nascer de novo e depois retornar à delicadeza do amor que acolhe!

No silêncio, Deus tece nossa melhor versão… sempre.

Maria do Céu Formiga é psicóloga, escritora Membro da Academia de Letras da Grande São Paulo, (ocupando a cadeira de Mario Quintana) e aquarelista. É pós-graduada em Psicologia Social, Mestre em Ciências da Religião. É consultora autônoma, coordena cursos e workshops. Realiza palestras e trabalhos em simpósios e congressos nos seguintes países: França, Inglaterra, Cuba, Israel, Chile e Estados Unidos. Mais informações: www.mariadoceuformiga.com.br