por Grupo de Aprimoramento Junguiano sobre Questões Amorosas – Clínica Psicológica PUC/SP
A questão relativa ao que é dar certo em um relacionamento encontra cada vez mais eco em todos os segmentos de nossa sociedade atual. E dois fatos evidentes parecem dar voz à esta questão: por um lado, a atual falência dos modelos de relacionamento até então utilizado por nós; por outro, inclusive ligado ao anterior, apresenta-se o fato de que em nossa sociedade capitalista/globalizada, somos constantemente bombardeados com a ideia de que todos podemos, e mais, devemos experimentar um relacionamento que "dê certo". Assim, apresenta-se o conflito: os modelos para que um relacionamento dê certo se esgotam em sua cristalização e falta de criatividade. Concomitantemente, a noção de "o que é dar certo" confunde-se com conceitos financeiro-matemáticos.
Toda relação envolve fantasias e expectativas, mas também frustrações. O que é uma relação amorosa ideal? Sabemos que não vivemos em um conto de fadas, que o percurso do ser humano é cheio de grandes percalços e grandes superações, mas ao mesmo tempo, temos a expectativa de um dia encontrar o (a) parceiro (a) ideal, os verdadeiros príncipes e princesas encantados (as), casar, ter uma casa linda, filhos lindos, cachorro, periquito, papagaio … e "vivermos felizes para sempre…". Muitos de nós estamos totalmente apegados a este modelo de felicidade, sendo que raramente, senão nunca, vivenciamos este estado pleno e eterno.
Muitas pessoas, em busca incessante por este modelo idealizado, trocam de parceiros de maneira exagerada. Vivemos em uma época marcada pela superficialidade das relações. As pessoas têm muito medo de se envolver afetivamente, e acabam optando por "ficar" com diversas pessoas. Não se permitem experimentar as diferentes facetas que um encontro pode trazer, e muitas vezes, diante de uma frustração, como por exemplo, ele (a) não fez o que eu esperava, abandonam a relação, partindo para outras, que muitas vezes, continuarão repetindo isso.
A procura por tentar encaixar uma relação nos moldes do certo ou errado, pode ser fruto da necessidade que temos de construir relações estáveis e seguras. No entanto, quando perguntamos o que é amor e conseguimos uma resposta, automaticamente o amor desconstrói a resposta dada, suscitando novamente a pergunta. Esse processo muitas vezes nos leva a transcender os obstáculos que existem dentro de nós mesmos.
"Dar certo" talvez não seja o termo mais adequado
Talvez o termo"dar certo" não seja o mais adequado para as relações afetivas. Ao pensarmos no que é certo automaticamente nos remetemos ao que é dar errado e não é dessa maneira, um tanto quanto lógica, que devemos definir nossas relações. Quando nos referimos à relação amorosa apenas dessa maneira, acabamos por colocá-la como algo à parte do nosso processo de vida.
Socialmente, o parâmetro utilizado para avaliar se um relacionamento amoroso é bem-sucedido ou não é sua duração. Por conseguinte, o término de um relacionamento é frequentemente associado a um fracasso amoroso. Este sentimento parece decorrer da frustração de uma expectativa social – a de que o amor, e especificamente o casamento, deve durar para sempre. Ficamos presos a este modelo paradisíaco de forma tão cega e com expectativas tão grandes, que não nos permitimos olhar, experimentar, vivenciar outros tipos de felicidades que os relacionamentos amorosos nos trazem. Assim, muitas vezes nos deparamos com relacionamentos considerados funcionais dentro de uma perspectiva bancária ou estatística, mas que, pelo contrário, infligem mal-estar e decepção naqueles que o desfrutam.
A oposição entre a expectativa social do "para sempre" e o comportamento amoroso que estabelecemos atualmente parece fazer com que as pessoas se sintam continuamente frustradas e insatisfeitas, frente ao desejo de estabelecer um relacionamento e ao medo de que este não atenda às expectativas.
É importante olharmos e nos conscientizarmos de que a felicidade não é eterna, mas sim estados momentâneos. "Dar certo" não é sinônimo de "durar para sempre", tal qual é idealizado por muitos de nós, mas sim, estarmos abertos para vivenciar, experimentar e nos entregar ao que o relacionamento nos oferece num dado momento. No entanto, para que isso ocorra, precisamos nos livrar deste ideal de perseguir esta perfeição, e assim, qualificarmos o "dar certo", de outra maneira.
Desmistificando-o desta forma, podemos perceber que o término de uma relação, por exemplo, não implica necessariamente que ela não deu certo. Se este relacionamento proporcionou ao casal experiências de boa qualidade e satisfatórias por um período, que pode tanto ter sido breve, como duradouro, este relacionamento deu sim, e muito certo!
Psicologicamente, dar certo no amor é poder viver a plenitude de um encontro. Deste ponto de vista, a duração do relacionamento não tem a menor importância. Um relacionamento bem-sucedido pode durar uma vida ou uma noite, pois a plenitude de um encontro está ligada à forma como as partes envolvidas se colocam na relação. É fundamental a valorização do encontro com o outro. Um encontro no qual possamos enxergar o nosso parceiro e suas características. Esse grande encontro já é por si só gerador de diversos efeitos com cores e tonalidades das mais variadas.
Mas é claro, que enquanto ficarmos apegados ao mito "durar para sempre" não nos permitiremos aproveitar inteiramente e intensamente o que um relacionamento pode nos proporcionar.
Como diria Vinícius de Moraes:" … que seja eterno enquanto dure …"
Autores: Carla Regino, Fernanda Menin, Helena Girardo de Brito, João Paiva, Lilian Loureiro, Luiz André Martins, Mariana Leite, Marina Winkler, Priscila Parro e Thiago Pimenta – sob a coordenação da profa. Dra. Noely Montes Moraes