por Regina Wielenska
Faz algum tempo que uma amiga, psicoterapeuta como eu, confidenciou-me uma história especial, tomando o cuidado de preservar a identidade dos protagonistas.
O resumo dos fatos é o seguinte: os filhos de uma senhora pediram a ajuda profissional da minha amiga pelo fato da mãe ter sido recentemente diagnosticada com um tumor em estágio quatro (isto significava poucos meses de vida pela frente). Segundo os filhos, a mãe desconhecia a gravidade de seu quadro, e pediram segredo para a terapeuta.
A terapeuta se apresentou à senhora enferma, e sem pressa se desenrolou uma delicada conversa, cujo ponto mais importante foi a revelação que a cliente fez à terapeuta: "Estou muito doente e tenho pouco tempo de vida; estou pronta para partir, tive uma boa vida, meus filhos já são criados. Mas eles ainda não sabem da minha condição, peço que você não revele isto a eles, acho que eles sofrerão demais, quero que percebam aos poucos, se houver tempo".
A terapeuta percebeu que tinha em mãos um falso segredo: todo mundo sabia de tudo, cada um imaginava que a outra parte de nada soubesse e assim se manteria um pacto de silêncio e os filhos se esquivariam de olhar fundo nos olhos da mãe em condição terminal e a mãe não entraria em explícito contato com a dor de um filho em vias de se tornar órfão. Tudo o que circunda a morte, a coleção de coisas que sinalizam nossa finitude costuma ser doloroso, difícil, ninguém se sente impecavelmente sereno ou seguro pra lidar com isso.
Mas se a terapeuta fosse cúmplice no esquema dessa família que, sem perceber claramente, fugia da dor e do medo, ela os privaria da oportunidade de dizerem uns aos outros o quanto de amor residia no coração de cada um. Eles perderiam igualmente a chance de trocarem conselhos, lavarem uma eventual roupa suja. Os filhos não se despediriam daquela que lhes criou, e teriam que encarar o mutismo, aí então num dilema insolúvel.
Minha colega se muniu de delicadeza e coragem e devagarinho avaliou com todos da família as razões que os levavam a se calar. Ela os ajudou a vislumbrar uma efetiva possibilidade de expressão verbal e não verbal. Repensaram juntos os prós e contras da comunicação explícita da finitude que se avizinhava. Foi desse modo que a mãe e seus filhos finalmente se sentiram em condição de encararem a morte de frente, de forma que o amor e a dor pudesse ter voz.
Foi como destampar uma panela de pressão na hora perfeita. Houve tempo para despedidas, risos e lágrimas. Restou então a saudade, e as lembranças de uma morte serena, antecedida por atos de amor e muita união entre a mãe e seus filhos.
É por essa e outras que vale a pena ser terapeuta. E também é por essas e outras que terapeutas precisam muito estudar e cuidar de si mesmos, buscando terapia e qualidade de vida.