Alcoolismo na aposentadoria; como lidar

Por Danilo Baltieri

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“Não consigo ajudar meu marido a deixar o alcoolismo. Quanto mais eu peço, mais ele bebe. A situação só se agrava. Ele aposentou em final de 2017 e a partir daí passa o dia bebendo. Não suporto mais essa situação. Agora, esconde senhas bancárias, seus proventos e senhas de celular. Quando peço a ele que procure um terapeuta, mais ele bebe. Trata-me mal e com palavras que magoam. Não dorme mais comigo, e não temos mais relações há quase seis anos. Somos casados há 38 anos. Por fim, vejo uma vida de sonhos e planos indo por água abaixo. Perdi o homem que amo para a bebida e, consequentemente, com isso, vieram as traições, doenças venéreas e eu não sei como cheguei até aqui. Preciso de uma palavra amiga.”

Resposta: O consumo nocivo e inadequado de bebidas alcoólicas é um dos principais problemas de saúde pública ao redor do mundo. Eventos sociais e vitais negativos, embora muitas vezes inevitáveis, como perda de emprego, divórcio, perdas de familiares próximos, e aposentadoria, são amiúde apontados como fatores de risco significativos para o consumo imoderado de álcool.

A aposentadoria é um momento de transição na vida de qualquer pessoa e pode ser encarada ou enfrentada de maneiras, as mais diversas possíveis, não apenas negativamente, mas também positivamente.

Os estudos sobre o início de problemas com o consumo de bebidas alcoólicas entre aposentados apresentam resultados conflitantes ao redor do mundo. Isso significa que algumas pesquisas envolvendo essa população demonstram um aumento na frequência do uso e na quantidade de bebidas entre aposentados; todavia, outros estudos não têm constatado essa modificação no padrão do consumo de etanol após o evento da aposentadoria. Parece que aqueles que têm sido aposentados de forma compulsória ou involuntária apresentariam um risco maior de envolvimento no consumo nocivo de bebidas.

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Esses achados contrastantes gerados por diferentes estudos podem denotar a existência de diferentes grupos de pessoas (geralmente, pessoas com mais de 50/60 anos) com características e fatores de risco específicos.

Alguns estudos têm apontado que o grupo de aposentados constituídos por homens, fumantes, habitantes de grandes centros urbanos, portadores de sintomas depressivos, e já usuários regulares de bebidas alcoólicas, estariam em maior risco para desenvolver  problemas com o uso de álcool após o evento da aposentadoria.
Embora o período pós-aposentadoria pudesse ser caracterizado por uma etapa da vida com menor estresse, mais tempo para o lazer e diferentes oportunidades para planejamentos de novas atividades, esse período também pode ser caracterizado por notáveis modificações nos pretéritos laços de amizades e contatos sociais, isolamento social, sentimentos e pensamentos de menos valia e, portanto, mais estresse.

Alguns autores têm utilizado o termo “alcoolismo de início tardio” (late-onset alcoholism) para incluir aqueles indivíduos que iniciam o consumo nocivo de bebidas alcoólicas depois dos 50 anos de idade. Esta é uma estratégia de perfilar os bebedores, classificando-os pela idade de início de problemas com o uso de bebidas alcoólicas. Assim, existem aqueles indivíduos com mais de 50 anos que já apresentavam problemas com o consumo de álcool previamente e aqueles que apenas começaram tais problemas com o avanço da idade. A Tabela 01 expõe algumas possíveis diferenças entre os dois grupos sugeridos.

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Tabela 01. Diferenças entre os bebedores de “início tardio” e de “início precoce”

Início antes dos 50 anos     

•    Mais frequente o início de problemas com o uso de bebidas;
•    Mais frequentemente existem problemas de personalidade coexistentes;
•    Mais frequentemente, o status socioeconômico é pior;
•    Desnutrição pode ser mais corriqueiro;
•    História de múltiplos sinais de lesões físicas passadas decorrentes do estado de intoxicação.    

Início após os 50 anos

•    Menos comum o início de problemas com o uso de álcool do que o outro grupo;
•    Geralmente, maior estabilidade financeira;
•    Frequentemente, estes indivíduos vivem com familiares;
•    História positiva de trabalho pretérito;
•    História de quedas e traumatismos recentes.

Como reportado anteriormente, a aposentadoria é um dos fatores para o desencadeamento deste chamado “alcoolismo de início tardio.” No entanto, os outros fatores já apontados, como sintomas depressivos, intranquilidade com a mudança na autoimagem, preocupação recorrente com o fato de estar envelhecendo, perdas e mortes na família, isolamento social e familiar, confusão quanto à própria identidade enquanto pessoa e profissional, dentre vários outros sentimentos, pensamentos e acontecimentos colaboram para a perda do controle diante do comportamento de beber. Muitas vezes, não apenas o álcool se torna um problema na vida do indivíduo com mais idade, mas também outras condutas nocivas que são sentidas por esse indivíduo como imediatamente prazerosas.

Deve-se sempre levar em conta que se trata de população que comumente apresenta outras disfunções no organismo, como alterações de pressão arterial, níveis glicêmicos, problemas metabólicos, funcionamento cerebral, dentre inúmeros outros. O uso imoderado de bebidas alcoólicas seguramente complicará disfunções orgânicas já instaladas, bem como poderá desencadear com certa facilidade algumas disfunções ainda não alojadas no indivíduo. Portanto, o médico clínico deve estar ciente sobre o comportamento de beber do seu paciente e tal fato deve ser reportado ao médico pelo próprio paciente ou mesmo pelos seus familiares. A Tabela 02 indica, sumariamente, algumas consequências do beber imoderado.

Tabela 02. Consequências físicas do beber imoderado

Efeitos diretos do álcool    

•    Desregulação do metabolismo da vitamina D        

•    Aumento dos níveis de estrógenos (hormônio feminino)
    
•    Diminuição da disponibilidade de testosterona     

•    Alteração do funcionamento cardiovascular        

•    Má absorção da vitamina B12   

•    Acúmulo de gordura no fígado    

Consequências

•    Piora da osteoporose e osteopenia

•    Aumento do volume mamário
•    Atrofia testicular

•    Disfunção erétil
•    Sintomas depressivos

•    Arritmias cardíacas

•    Anemia (Anemia Megaloblástica)

•    Atrofia gástrica
•    Hepatite alcoólica
•    Anemia por deficiência de ferro
•    Cirrose

Na tabela 03 abaixo, cito alguns fatores de risco comumente reportados nos gêneros textuais médicos para a instalação do “alcoolismo de início tardio.”

Tabela 03. Fatores de risco para o início do beber nocivo entre pessoas com mais de 50 anos de idade

– Aposentadoria;
– Perda ou distorção da própria identidade pessoal;
– Aprovação do comportamento de beber por novos ou “velhos” amigos;
– Morte da esposa;
– Sintomas depressivos.

Além, claro, de estimular check-ups com médicos clínicos, nos quais os comportamentos não saudáveis e intoleráveis devem ser reportados, o cônjuge deve estar preparado para uma nova etapa da vida.

Por se tratar de população altamente heterogênea, uma vez identificado o problema do alcoolismo no ente familiar, um modelo individualizado de tratamento médico e de manejo psicossocial deverá ser proposto. Seguramente, um especialista deverá ser consultado.

Na Tabela 04, aponto algumas dicas sobre como lidar com o cônjuge aposentado.

Tabela 04. Dicas para aperfeiçoar o relacionamento pós aposentadoria

•    Aposentadoria é um momento de replanejamento, de reformulação. Não aconselho o dito: “homem em casa durante o dia só atrapalha; faça alguma coisa fora!;”
•    Compartilhe seus sonhos e tente realizá-los em conjunto;
•    Identifique gostos em comum neste momento da vida;
•    Tenha, sim, e respeite espaços de individualidade;
•    Renove as conversações com seu parceiro, estimule-as;
•    Jamais diga “nunca”; também, evite dizer “você sempre”;
•    Gaste tempo ouvindo o que o seu parceiro está tentando contar. Saiba ouvir e saiba falar. Tenha certeza de que você está sendo TAMBÉM ouvida;
•    Liste boas razões para investir no relacionamento que já é duradouro;
•    Ajude-se para poder ajudar o seu parceiro.

Boa sorte!!!

Abaixo, forneço interessante referência para possível consulta:

Emiliussen J, Nielsen AS & Andersen K (2017). Identifying Risk Factors for Late-Onset (50+) Alcohol Use Disorder and Heavy Drinking: A Systematic Review. Substance Use & Misuse, 52:12, 1575-1588.

Atenção!
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.