por Jocelem Salgado
Você já ouviu falar em alho envelhecido ou negro?
Saiba que tanto o alho envelhecido quanto o negro não são espécies novas de alho ou variedades geneticamente modificadas. São na realidade processamentos distintos aplicados sobre essa bulbosa no intuito de amenizar características indesejáveis como, por exemplo, o sabor pungente.
Mas antes de falarmos propriamente desses dois produtos, conversaremos um pouco sobre a sua matéria-prima, o alho.
O gênero Allium é um dos maiores gêneros de plantas existentes, contendo cerca de 600 a 750 espécies, dentre elas o Allium sativum (alho).
O alho negro obtém sua coloração e flavor a partir da fermentação em altas temperaturas
Dentre os compostos presentes no alho destacam-se: fibras solúveis (73% do total de fibras), ácidos graxos poliinsaturados, minerais (selênio, zinco e cobre), prebiótico inulina, vitaminas (B1, B2, B6, C, E) e compostos fenólicos.
Contudo, apesar dessa gama de fitoquímicos benéficos à saúde, investigações científicas indicam que as ações biológicas e médicas derivadas do consumo do alho provém, em sua grande maioria, de uma única família de compostos denominados organosulfurosos – compostos que contêm enxofre em sua composição. Até o momento foram encontrados cerca de 30 componentes, porém acredita-se que existam muito mais. Além das propriedades curativas os compostos organosulfurosos também são os responsáveis pelo odor e flavor (sabor) característicos do alho.
Sendo assim, ao mesmo tempo em que promovem saudabilidade são esses os compostos eliciadores do mau hálito, do ardor e do cheiro impregnante nas mãos ou até mesmo no suor.
Entenda por que o alho causa ardência e mau hálito
Nociceptores são neurônios presentes em nosso organismo que respondem a estímulos que promovem a dor. Quando esses nociceptores são expostos às substâncias químicas presentes no alho principalmente os compostos organosulfurosos, eles emitem um sinal que desencadeia a inflamação, a qual provoca a percepção de dor. Enquanto muitos químicos ativam os nociceptores através de ligações químicas mais brandas, os compostos presentes no alho, cebola, canela, mostarda e alimentos apimentados, ligam-se mais fortemente aos receptores, perdurando as sensações de ardência e dor.
Efeito similar é encontrado em substâncias como acroleína (fumaça que é formada quando a gordura fica no fogo exposta à alta temperatura por longo período de tempo), poluentes encontrados no ar e gases provocadores de lágrimas, os quais causam instantânea dor e irritação nos olhos.
Imediatamente após o consumo do alho, diversos compostos sulfurosos são formados. No primeiro momento grande parte dos voláteis maus cheirosos produzidos provêm da própria cavidade oral (produzidas através das enzimas e bactérias presentes na boca). No entanto o mau hálito prolongado deve-se à ausência de metabolismo no estômago e fígado versus o metabolismo acelerado desses gases. Inclusive indivíduos que mastigam, mas não engolem o alho, não apresentaram um mau hálito prolongado. A retenção desses compostos é maior do que 30 horas após o consumo, mesmo após higienização.
Outro fato interessante é que os compostos presentes no alho são extremamente permeáveis à pele, indivíduos que consomem muito essa bulbosa ou mesmo o óleo de alho podem eliminar esses gases difundidos no suor. Realizar escalda-pés com alho pode também promover mau hálito.
Distintamente do alho in natura o alho envelhecido e o alho negro não apresentam esses inconvenientes, são mais adocicados, frutados, macios e surpreendentemente possuem maiores concentrações de antioxidantes.
Como são obtidos?
O alho envelhecido é obtido através da inserção do bulbo ou de fatias de alho em uma solução de vinagre ou álcool por 6 a 20 meses. Esse período é necessário para que haja a remoção dos compostos sulfurosos indesejados e também para estabilizar alguns compostos instáveis.
O alho negro obtém sua coloração e flavor a partir da fermentação em altas temperaturas de bulbos inteiros inseridos em estufas apropriadas capazes de não somente controlar os níveis de temperatura como também a umidade. São requeridos apenas 30 dias para o processamento do alho negro. Segundo seus consumidores a textura desse alho é mais cremosa e o sabor, ligeiramente adocicado, lembra um vinagre balsâmico de qualidade, sem nenhuma semelhança com o ardido do alho in natura.
E no quesito saúde? São melhores que o alho in natura?
Quando os bulbos são processados (macerado, cortado, mastigado, ou seja, quando houver qualquer ruptura do bulbo), desencadeia-se uma cascata de reações que resultará na obtenção de diversos compostos organosulfurosos. Cada um desses compostos formados tem ação específica em uma determinada doença, isto é, nem todos os compostos formados terão a mesma ação fisiológica. Daí a importância fundamental do modo de preparo desse vegetal.
Logo, no quesito saúde o alho negro ou envelhecido poderão ser mais eficientes ou não dependendo das doenças investigadas e das ações fisiológicas esperadas. Não há aqui uma relação de superioridade.
Mas para que fins eles são mais indicados?
Diversas propriedades benéficas têm sido relacionadas ao consumo desses alimentos: efeito anticarcinogênico (reduzir a taxa de tumores), antiaterosclerótico (impede os processo de obstrução de veias e artérias), imunomodulador (modula o sistema de defesa do organismo), hepatoprotetor (protetor do fígado) e antienvelhecimento.
Com relação à atividade antioxidante o alho negro é mais rico em enzimas antioxidativas do que o alho envelhecido e o in natura apresentando, portanto, maior potencial antioxidante tanto in vitro quanto in vivo.
Por serem mais suaves ao paladar e terem os inconvenientes do alho in natura reduzidos, esses dois produtos do alho, são mais facilmente introduzíveis na dieta. Lembre-se fritar, cozinhar, ou assar o alho são processos que degradam a grande maioria dos fitoquímicos presentes nesse alimento, inclusive os compostos organosulfurosos e, portanto, não são indicados quando buscamos promover a saúde, o ideal é consumi-lo in natura.
Infelizmente todos esses benefícios e vantagens custam caro, em média o quilo do alho negro é vendido a 180 reais, isso para os produtos nacionais, os importados podem ser ainda mais caros. O alho envelhecido ainda não é comercializado no Brasil, no entanto, extratos e cápsulas à base desse produto são encontrados em algumas farmácias (atenção a esses produtos nunca é demais).
O comércio dessas iguarias ainda é recente no nosso país, esperemos que com a divulgação de seus benefícios e de seu sabor exótico; que cada vez mais produtores se interessem por sua produção. Assim esses dois produtos se tornarão mais acessíveis e frequentes no cardápio do dia a dia.