por Jocelem Salgado
As nossas crianças e adolescentes representam nosso futuro, por isso precisam estar bem cuidados e merecem de nós toda a atenção. Todo mundo sabe disso. Os nossos idosos representam aqueles que dedicaram suas vidas para que pudéssemos ser o que somos, por isso são dignos de todos os cuidados e atenção. Nem tudo mundo sabe disso.
A diferença entre o “novo” e o “velho” está numa regra aparentemente cruel do mercado: enquanto os jovens representam consumidores para a vida toda, e por isso merecem todas as atenções, o idoso é visto como um consumidor terminal, em quem não compensa mais investir.
Esse conceito perverso já foi superado nos países em desenvolvimento. Lá, os idosos, que estão vivendo cada vez mais, estão merecendo cada vez mais atenção do mercado e da mídia. Representam uma fatia nas vendas cada vez mais importante.
Alimentos em pedaços menores, muito bem cozidos, pratos variados, equilibrados, com ingredientes de diferentes cores e sabores, que não se repetem, facilitam mastigação, deglutição e transformam obrigação de alimentação em prazer.
Em países como o Brasil, isso ainda não acontece. A grande maioria dos idosos interrompe sua vida de trabalho com uma aposentaria miserável ou sem aposentadoria alguma. Ficará na dependência de outros familiares, cujas necessidades e preocupações serão outras. Ou ficará sozinho, sem condições nem físicas nem financeiras de se proporcionar uma vida com um mínimo de dignidade.
Solidão e doença
Já falei da “terceira idade” em outras oportunidades. O tema também já foi tratado em dois dos meus *livros. Pois retorno a esse assunto convencida de que ainda há muita coisa a dizer com relação à qualidade de vida e a alimentação dos nossos pais e avós.
O primeiro fato é que não se pode isolar alimentação das outras circunstâncias que cercam o envelhecimento. O envelhecer é um processo que implica desde a história psicossocial de cada um e suas relações familiares, até suas condições financeiras e de saúde.
Genericamente, diz-se que aqueles que tiveram uma vida adulta rica e gratificante, que se lembram das suas vivências como satisfatórias, terão mais facilidade para se adaptar ao envelhecimento. Note-se que esta é uma condição que não pode ser lembrada lá na velhice, quando soará como uma cobrança cruel. São comportamentos e atitudes que deveriam ser cultivados ao longo da vida, como qualquer outra ação preventiva.
As condições financeiras têm tudo a ver com a qualidade do envelhecimento. O idoso que tem recursos próprios pode arcar com profissionais que cuidem dos vários aspectos de sua vida, do lazer à saúde e à alimentação.
Nos países mais desenvolvidos, o idoso aposentado recebe do Estado proventos suficientes para que arque com os custos de um “abrigo” ou pague ele próprio suas necessidades, do aluguel às compras. Isso garante um certo nível de bem-estar, mas não evita a solidão e a desnutrição, itens que estão nos primeiros lugares nas causas de morte dos idosos.
Em países em desenvolvimento, como o Brasil, os idosos se encontram no nível mais baixo do abandono. Entre aqueles que se aposentam com carteira assinada, a média de pagamento gira em torno de um salário mínimo. Entre a população que trabalha, metade não tem carteira, portanto nada receberá quando um dia parar de trabalhar, por doença ou incapacidade total de conseguir seu sustento.
Ao idoso não restará outra alternativa senão a de recolher-se a um espaço na casa dos filhos, quando tiver filhos e eles tiverem espaço e consideração. Refugiar-se em asilos privados, com os valores cobrados, nem pensar. Nos asilos públicos, quando encontrar uma vaga, poucas vezes encontrará o acolhimento mínimo necessário. Em todos os casos, a tendência é que a autoestima e a dignidade do idoso sejam reduzidas a quase nada. Sem vontade nem motivações para viver, ele limitará sua alimentação a um mínimo necessário para continuar seu dia a dia. E cairá doente, será hospitalizado e não tardará a morrer.
Ameaça de desnutrição
Esse quadro dramático é mais frequente nos grandes centros, onde o morador não sabe o que está acontecendo com o vizinho do lado. Amigos relataram que na França, em edifícios onde moram muitos idosos sozinhos, os porteiros têm a função de bater na porta dos moradores para saber se precisam de ajuda, e se estão vivos.
A cultura do brasileiro, pelo menos fora dos grandes centros, não compartilha de tanta frieza. Embora os asilos estejam repletos, e as filas para os asilos sejam enormes, a maioria das famílias tende a ser solidária com seus idosos. O que não significa que estejam cuidando bem deles.
É este, justamente meu objetivo ao falar dos nossos pais e avós. Mesmo quando estamos dispostos a recebê-los ou a cuidar deles, não significa que sabemos fazer o melhor por eles. A falta de conhecimento, ou de recursos, faz com que um número enorme de idosos sofra de desnutrição. Nos EUA, por exemplo, 5% a 22% dos idosos que moram com a família sofrem de desnutrição protéico-energética. Nos idosos que estão em instituições, são 59% os desnutridos. E entre os hospitalizados, essa porcentagem sobe para 65%.
No Brasil, estima-se que 1,3 milhões de idosos estejam com baixo peso por conta da desnutrição, e que mais de 15% dos idosos consumam menos de 1.000 calorias por dia, metade do necessário.
Mastigar e engolir
É preciso lembrar que as pessoas idosas têm necessidades diferentes, embora essa possa parecer uma afirmação que não tem nada de novo. A mais simples dessas necessidades é a alteração na capacidade de mastigação e deglutição dos alimentos.
É muito comum nos idosos a perda de dentes, a colocação de dentaduras que não se ajustam, além da redução das secreções salivares e da diminuição do olfato e da capacidade de engolir.
Cito um trabalho que foi feito no Lar dos Velhinhos de Piracicaba por minha equipe da ESALQ, em parceria com o Centro de Pesquisa da Sanavita. Uma das primeiras constatações foi a dificuldade de mastigação desse grupo de idosos. Quando os alimentos passaram a ser oferecidos em pedaços menores, e muito bem cozidos, os moradores da casa passaram a comer mais e a ganhar peso.
Outras mudanças foram feitas. Os pratos passaram a ser variados, equilibrados, com ingredientes de diferentes cores, e com sabores que não se repetiam. Os idosos que se alimentavam sozinhos em seus quartos foram incentivados a comer no refeitório. A alimentação deixou de ser uma obrigação e passou a ser um momento de prazer e de convívio. Sem aumentar os custos da instituição, conseguimos uma significativa redução nas internações e no consumo de medicamentos.
Depressão e desnutrição
Há outros aspectos que gostaria de lembrar com relação à alimentação e saúde dos nossos idosos. Há alguns sinais que indicam um possível início de desnutrição, ou apontam para uma doença que pode estar sendo instalada.
Um desses sinais é a perda de peso, que pode estar associada à dificuldade de mastigação, com perda de dentes ou dentaduras. Mas que pode indicar outros problemas de saúde. Outro sinal de alarme são os indicadores psicossociais. Aqui contam desde a depressão e a tristeza pela perda de um cônjuge ou familiar até a solidão e a vida solitária. Casos de alcoolismo e de abandono total de cuidados são comuns nessas fases.
Essas situações podem ser agravadas pela falta de dinheiro para comprar alimentos e pelas precárias condições em que vive o idoso.
Mesmo tendo algum dinheiro, ele terá de ir ao supermercado, escolher seus alimentos, prepará-los e preparar sua própria mesa. Precisará de conhecimentos mínimos sobre nutrição, alimentação balanceada, saber como armazenar os alimentos, e garantir que sua geladeira esteja funcionando corretamente.
Vivendo na casa de um parente, ele precisará ser considerado de forma a poder dizer o que tem vontade e de que forma poderá contribuir com a família.
Desrespeitar alguém mais velho, é a maneira mais ordinária de desrespeitar nossa própria relação com a vida. Pense nisso!