por Jocelem Salgado
Para muitos, a descoberta do fogão foi considerada o início do ingresso da humanidade na era da modernidade ou da civilização. No entanto, hoje esse conceito está sendo mudado. Um segmento cada vez maior considera que esse eletrodoméstico não é visto mais como o principal aliado na cozinha, e não é tão indispensável quanto defendem seus entusiastas.
Os “antifogões” são adeptos de uma tendência chamada crudivorismo, hoje popular nos Estados Unidos e Europa, e em ascensão no Brasil.
Crudivorismo ou crudismo
O crudivorismo (também chamado de crudismo) foi preconizado pelo biólogo francês Pierre Valentín Marchesseau, mentor da “Fundação Mundial de Naturopatia”. Os preceitos dessa prática afirmam que, como o homem é um organismo vivo, deve igualmente consumir alimentos vivos, que proporcionem uma simbiose energética entre ambos.
A afirmação se pauta em dois argumentos: a ingestão do alimento ainda cru proporcionaria o aproveitamento integral de seus nutrientes, geralmente desperdiçados durante o cozimento. Por fim, defendem que o alimento in natura ou aquecido até no máximo 48ºC, é de mais fácil digestão e absorção pelo organismo.
O crudivorismo é um tipo de dieta vegetariana restrita, ou seja, o indivíduo não consome nada de origem animal e todos os alimentos não são cozidos.
Nessa dieta, nada pode ser preparado ao fogo, pois os adeptos acreditam que esse tipo de preparação causa perda de nutrientes. Não quer dizer, necessariamente, que se comam apenas alimentos crus. Existem processos de preparação que não causam perda de nutrientes, como a desidratação dos alimentos.
A alimentação crudívora, também chamada de "alimentação viva" ou "comida viva", é uma forma de alimentação baseada em alimentos crus, frutos frescos e secos (hidratados), vegetais, sementes, grãos germinados como o germe de trigo e algas, ricos em enzimas e nutrientes.
Vantagens e desvantagens
Dentre as principais vantagens do crudivorismo, podemos enfatizar que o consumo e a frequência regular de várias porcões de frutas, hortaliças e sementes, itens nem sempre valorizados nas dietas convencionais, proporcionam a ótima ingestão diária de vitaminas e minerais. Contudo, muitos crudistas limitam sua dieta a uma variedade reduzida e monótona de alimentos, deixando de suprir o organismo com alimentos que são fontes necessárias de calorias, proteínas e lipídeos, o que leva muitas vezes a riscos de má nutrição nesse tipo de conduta alimentar.
É importante ressaltar também que alimentar-se de vegetais e frutas cruas é bom por causa da presença das fibras. Em geral, boa parte da população sofre de prisão de ventre devido aos maus hábitos alimentares, como a ingestão de comidas industrializadas, enlatados e fast foods, que são ricas em carboidratos, gorduras e sal e pobres em fibras. O ideal seria que as pessoas ingerissem cerca de 25 gramas de fibras por dia para o intestino funcionar normalmente. Por isso, existe um consenso geral entre os pesquisadores que diz “Quem privilegia alimentos crus colabora com o bom funcionamento do intestino”.
Prepare adequadamente os alimentos
Nessa controvérsia entre a adesão ou a recusa do fogão, recomendamos em geral que as frutas e hortaliças sejam prioritariamente consumidas cruas, desde que os cuidados de higienização (lavagem e desinfecção) sejam observados. Esse deve ser o procedimento mais importante na dieta dos crudívoros.
Os vegetais e frutas com casca devem ser lavados com escovas próprias e colocados de molho em solução com hipoclorito ou vinagre antes de serem cortados. Também é importante se informar sobre a procedência dos produtos: quanto menos agrotóxicos melhor. E, sempre que possível, prefira as opções orgânicas.
Os produtos de origem animal (o que inclui leite, queijo e ovos), bem como alguns grãos, devem ser cozidos para eliminar suas toxinas ou minimizar os riscos de contaminação microbiológica. Tanto no caso dos grãos, como das carnes, a cocção (cozimento) permite uma melhor digestibilidade do alimento. O cozimento amolece os alimentos, como as fibras de celulose e carne crua, facilitando a trituração e o processo de digestão.
Alimentos crus nem sempre são mais saudáveis, indica estudo
Enquanto os adeptos de comida crua apregoam que o cozimento destrói vitaminas e sais minerais e altera enzimas que ajudam na digestão, descobriu-se que vegetais crus nem sempre são mais saudáveis. Um estudo publicado em 2008 no The British Journal of Nutrition revelou que um grupo de 198 participantes, submetidos a uma dieta rígida de alimentos crus, apresentou níveis normais de vitamina A, relativamente altos de betacaroteno (antioxidante encontrado em vegetais verde-escuros e frutas amarelas), mas baixos de outro antioxidante, o licopeno.
Essa substância é responsável pela coloração vermelha encontrada em tomates e outras frutas como melancia, goiaba, morango e mamão papaia. Vários estudos têm associado o alto consumo de tomate rico em licopeno a baixo risco de câncer e doenças cardiovasculares.
Estudos mostram que o nível de licopeno aumenta em 35% depois que o fruto é cozido por 30 minutos a uma temperatura de 88º C. Isso ocorre porque o calor rompe as paredes celulares dos vegetais quebrando as ligações na cadeia hidrocarbonada tornando o licopeno mais biodisponível para uso pelas células do organismo.
Cenouras, espinafre, cogumelos, aspargos, repolho, pimentão e vários outros vegetais cozidos também contêm grande quantidade de antioxidantes, como carotenóides e ácido ferúlico quando comparado aos crus, principalmente, se forem fervidos ou cozidos no vapor e micro-ondas.
Para o pesquisador Rui Hai Liu da Cornell University (EUA), o aspecto negativo de cozinhar os vegetais é que o processo pode destruir a vitamina C. Ele observou que os níveis de vitamina C diminuíram 10% em tomates cozidos por dois minutos e 29% em tomates cozidos durante meia hora a 88º C. Como a vitamina C é altamente instável, ela se degrada facilmente por oxidação, exposição ao calor e cozimento em água. No entanto, a vitamina C tem uma vantagem: ela é muito mais comum nas frutas e verduras – entre elas brócolis, laranja, couve-flor, couve e cenoura do que o licopeno.
No caso específico do brócolis, um estudo publicado em 2007 no Journal of Agricultural and Food Chemistry mostrou que o calor destrói uma enzima (mirosinase), importante para a quebra dos glicosinatos, substância anticarcinogênica presente na hortaliça. Portanto, recomenda-se que esse vegetal não seja cozido. A dica é escaldá-lo em água fervente, preservando dessa forma seus nutrientes e substâncias funcionais.
Como se vê, existem muitas contradições e é praticamente impossível comparar as qualidades nutricionais de alimentos crus e cozidos, pois ainda há muito que se aprender sobre como as diferentes substâncias são transformadas e absorvidas pelo corpo humano, e como o processamento afeta tais componentes. O que se pode afirmar é que as verduras e frutas devem fazer parte do nosso cardápio diário sempre, independentemente de como são preparadas. Se não for ingeri-las cruas, opte por métodos mais brandos de processamento térmico como o cozimento no vapor, o escaldamento e o micro-ondas.