por Patricia Gebrim
Pense em um estado de consciência como sendo a percepção do que se passa conosco e ao nosso redor. Diz a psicologia transpessoal que conforme alteramos o nosso estado de consciência, transformamos a natureza da realidade percebida e nos tornamos capazes de perceber outros níveis de realidade.
– Será possível que alguns estados de consciência favoreçam a cura, seja física ou emocional? – indaguei a meus botões, achando o tema interessante a ponto de me fazer sentir vontade de escrever sobre ele.
Cá estava eu, computador no colo, pronta para escrever agora mesmo sobre o assunto, quando uma irônica queda de energia elétrica acabou de fazer com que tudo se apagasse ao meu redor. Graças à luz do dia e à bateria do meu laptop, consigo escrever mesmo neste momento em que todo o bairro parece ter ficado sem energia.
Movida pelo inusitado da situação, decido escrever de forma diferente sobre o tema, de uma forma mais vivencial, menos científica. Nada de blá-blá-blá teórico, penso… E se eu simplesmente procurar relatar meu atual estado de consciência, será possível que algum entendimento surja disso?
Decido tentar e começo a prestar atenção à minha forma de perceber a realidade neste momento. A chuva suave brinca em meus ouvidos como se fosse uma sinfonia, as gotas escorrem pela janela como se tivessem treinado uma coreografia feita só para me encantar. Uma calma me abraça, sinto a paz que brota de um momento simples como este. Sem pressa, procuro sentir o momento presente. Apenas este momento, como se o minuto anterior nunca tivesse existido. Como se nada viesse depois disso.
– E se tudo o que existir for este agora? Este som, este cheiro de mato molhado, esta sensação que me une a tudo ao meu redor.
Respiro fundo, sentindo o ar fazer redemoinhos em meus pulmões, como se cada pulmão fosse uma árvore que o ar toca fazendo balançar. As folhas velhas se vão e o frescor deste instante mágico traz vida nova para dentro de mim, fazendo a árvore inflar.
Uma súbita clareza ilumina minha mente pacífica. A luz só se pode fazer pois a mente repousa, sossegada, como fazemos numa tarde quente de verão, deitados sobre a grama, observando as nuvens que desfilam no céu sem pressentir sua impalpável plateia.
Percebo que neste estado de consciência em que estou, tudo vira poesia. Aproximo-me da janela e vejo o movimento dos carros lá embaixo. Até isso acho belo quando estou assim. Por um instante me pego pensando que lá embaixo, embaladas por carrocerias de metal sobre rodas, desfilam vidas, cada uma com sua história, suas dores, seus amores… Agora há pouco eu era uma delas, imersa em preocupações mundanas, sem sequer imaginar que um outro mundo, mais real, existia dentro de mim. Um mundo que desafia as leis da física, ocupando metaforicamente o mesmo espaço no qual os homens-robô fazem sua morada.
Às vezes esse “eu” que agora escreve em mim não existe. Às vezes sou apenas uma pecinha andando de lá para cá sem sentir, como agora, a beleza da vida.
Existir, no entanto, preenche meu ser com essa sensação impossível de ser descrita. Basta dizer que quando existo, como agora, sinto-me parte de tudo. E sendo parte de tudo não há nada a criticar, nada a rejeitar, basta abrir os braços e me mesclar com aquilo que é. Uma leveza deliciosa me envolve. Uma ausência de medo e da necessidade de controlar.
Me dou conta de que este estado de consciência em que me encontro é como um lago milagroso plantado no centro do meu ser. Um lago com águas límpidas capazes de curar.
Vou atirando no lago as preocupações que há poucos minutos roubavam minha paz. Minha impotência pelos dois quilos que não tenho conseguido perder, a irritação com o técnico do ventilador que marcou comigo e não veio, a autorrecriminação por ter cometido um engano em meu trabalho… Vou jogando tudo isso lá, bem no meio do lago, enquanto observo, maravilhada, cada uma dessas questões se desfazendo na minha clara percepção de que nada disso é assim tão importante.
Ah, como é bom dar a devida proporção às coisas. Como é bom me lembrar do que verdadeiramente importa. Será isso o que chamamos de cura? Colocar cada coisa em seu devido lugar?
Brinquei de continuar atirando ao lago, uma a uma, uma serie de ilusões que vinham roubando meu sono, e assim foi até que a energia elétrica voltou. Após o apitar dos aparelhos sendo ativados pela passagem da eletricidade, voltei aos meus afazeres cotidianos, mas algo continuou parecendo diferente, mesmo agora quando encaminho ao Vya Estelar este texto.
Sim, talvez alguns estados de consciência sejam capazes de curar. Ou talvez simplesmente nos levem até o lugar onde as doenças não existem.
De qualquer maneira, sopro em sua direção estas palavras recém-escritas para que tire suas próprias conclusões. Se puder deixe-as ao lado de um par de velas e procure lê-las em um dia qualquer, quando faltar energia em sua casa. Confio que você as compreenderá melhor assim.