por Joel Rennó Jr.
Sempre procurei como psiquiatra abordar vários aspectos das vidas e relacionamentos interpessoais dos meus pacientes. Respeito e valorizo muito os aspectos biológicos dos transtornos mentais, mas a complexidade humana requer uma visão muito mais ampla.
Hoje, as neurociências possuem um largo desenvolvimento através de estudos genéticos, biomoleculares, de neuroimagem e de psicofarmacologia.
Porém, apesar de tais avanços fantásticos, não podemos deixar como profissionais de utilizar todos os recursos disponíveis para a ampla reabilitação psicossocial de nossos pacientes com depressão, transtorno bipolar do humor, esquizofrenia e outros transtornos mentais.
Eu pessoalmente procuro fazer uma abordagem de todos os processos vitais criativos que foram perdidos ou abandonados com a doença mental. A re-significação das experiências de vida é fundamental. O restabelecimento e a recuperação de atitudes e comportamentos significativos que faziam parte do repertório de vida dos meus pacientes e que foram dissipados ou ocultados pela doença. O sistema familiar todo precisa estar disponível.
Aqui se incluem a religião, a prática de atividades filantrópicas, as atividades físicas regulares, o convívio familiar, entre tantos outros. Digo aos meus pacientes que isso é tão importante quanto tomar o remédio prescrito por mim. Sempre enfatizo que estas orientações e recomendações são parte integrante do tratamento psiquiátrico. E que tais comportamentos beneficiarão em primeiro lugar a eles mesmos.
O mais interessante é que estas indicações vêm tendo recentemente explicações científicas respeitáveis.
Um estudo liderado pelo neurocientista brasileiro Jorge Moll Neto, pesquisador do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, traz agora uma nova explicação.
Ao fazermos uma boa ação, segundo ele, acionamos no cérebro o sistema de recompensa ("brain reward system"). O mesmo que se acende em situações de prazer, como comer chocolate, fazer sexo, ganhar dinheiro ou consumir drogas.
A pesquisa publicada na revista PNAS, foi feita com 19 voluntários submetidos à ressonância magnética funcional enquanto tinham de decidir o que fazer com os US$ 128 que haviam acabado de receber: se guardavam para si ou doavam para alguma instituição filantrópica.
A ressonância mostrou que a simples doação ativava tanto o sistema de recompensa como uma outra parte do cérebro conhecida como córtex subgenual, relacionado às ligações duradouras entre as pessoas.
Quando fazemos uma doação, nosso sistema de recompensa (mesolímbico dopaminérgico) é ativado, assim como o córtex subgenual, que é a região envolvida com o apego social, com a formação de laços afetivos de longo prazo, como o que ocorre entre mãe e filho, entre casais e entre amigos.
Segundo Moll em entrevista a um grande jornal paulistano, descobrimos que temos em nossa biologia uma predisposição a valorizarmos a doação. Mas é claro que existem diferenças entre as pessoas, que só podem ser explicadas pela variabilidade genética: uns são mais capazes de sentir empatia que outros. Em um extremo, temos os psicopatas, incapazes de se ligar tanto a pessoas quanto a normas sociais. Do outro lado, temos os exemplares morais, como aquelas pessoas que enfrentavam riscos enormes para salvar os judeus na Segunda Guerra. Mas se olharmos uma sociedade como um todo, é claro que a cultura faz diferença. O sistema de valores de um povo é capaz de encorajar as pessoas a terem atos mais altruístas ou mais agressivos. Dependendo da cultura, ela vai estimular representações cerebrais que podem promover comportamentos socialmente mais louváveis. Quando o contrário ocorre, há muita injustiça, as pessoas se voltam para princípios muito mais elementares de sobrevivência individual.
No entanto, o importante desse estudo é que ele mostra um princípio: que temos mecanismos cerebrais que explicam emocionalmente porque uma pessoa faz coisas altruístas mesmo sem nenhum ganho pessoal, nem mesmo de visibilidade social. O problema é quando a estrutura social não oferece nem oportunidade de a pessoa tentar fazer alguma coisa. E aí não importa que o cérebro diga que fazer o bem é bom, porque não vai adiantar.
A sociedade sempre criticou a famosa "corrente do bem", com ressalvas e preconceitos. Muitos cientistas sempre foram incrédulos a ela, mas, no estágio atual, os exemplos motivam mesmo. Na pesquisa coordenada por Moll, só de pensar em fazer o bem os voluntários já ativavam o sistema de recompensa e liberavam uma carga de dopamina (neurotransmissor envolvido na sensação de bem-estar). Uma vez que a neurociência compreende os mecanismos por trás disso, percebemos que é fato, que temos um sistema cerebral que estimula o altruísmo. Então passa a ser uma verdade biológica, embora sem intenções reducionistas.
É claro que o meio familiar e a cultura na qual o indivíduo está inserido também têm papel relevante, podendo torná-lo altruísta ou egoísta. As religiões têm o poder de agregar e organizar as pessoas em atividades de grupo, e é isso que buscamos nos hospitais e até em comunidades terapêuticas, durante o processo de reabilitação dos nossos pacientes com transtornos mentais. Por isso, os psiquiatras em geral gostam tanto de estimular as famílias e a sociedade a se engajarem na reabilitação deles.
A cada dia que se passa, em minha experiência profissional, sinto a necessidade de uma visão cada vez mais integrativa, aberta e holística do significado de qualquer transtorno mental e melhor compreensão da história do indivíduo, dentro é claro de parâmetros médicos sérios, éticos e embasados cientificamente.