por Roberto Goldkorn
A palavra grega "apocalipse" título de um livro da Bíblia, mais especificamente o último do Novo Testamento atribuído a São João, quer dizer singelamente Revelação. Como as revelações eram como se pode dizer "apocalípticas" com o tempo a palavra grega ganhou um sentido totalmente oposto ao original.
São João teve uma revelação. Algo se rompeu em sua psique e uma torrente de informações surpreendentes jorrou inundando sua mente por inteiro, ocupando qualquer espaço ocioso ou destinado à lógica. Ele se tornou a partir daquele instante um ser pleno, conectado com o universo; a solidão se foi, as dúvidas se desvaneceram, o medo simplesmente evaporou, as divisões foram unificadas.
Jung em seu magnífico livrinho O Eu e o Inconsciente narra a história de um rapaz simplório que se apaixonou perdidamente por uma moça que nem sabia de sua existência. Quando movido pelas convicções dos apaixonados, foi confiante declarar-se a ela, e levou um baita passa-fora, rachou – foi em busca do único destino que lhe restara, o suicídio. Ao chegar no rio, viu as estrelas do céu ali refletidas e teve uma "revelação": As estrelas eram pares de seres apaixonados que passeavam no rio e tinham uma mensagem para ele: ali perto um imenso tesouro o aguardava no Observatório Astronômico. As três horas da manhã a polícia o prendeu quando tentava invadir o local.
As "revelações" acontecem para milhões de indivíduos ao longo da história da humanidade. Algo em suas mentes se quebra, uma fenda imensa se abre e eis que ela é inundada pelos conteúdos do inconsciente individual ou coletivo. Como as revelações são originárias do inconsciente individual e/ou coletivo, elas levam o sujeito no primeiro caso a habitar um castelo nas nuvens que ele próprio construiu à sua imagem e semelhança, e no segundo ele vai ser convidado de honra para habitar um templo onde só os escolhidos, os puros, os especiais são admitidos.
Um conhecido pastor batista, me disse que "encontrou Jesus, depois de ter tentado matar a própria mãe." Esse ato de extrema fratura psicológica acompanhado do isolamento que se seguiu (e que deve tê-lo precedido) retirou também de pedra sobre o abismo profundo onde se guardam as "revelações". O mesmo processo aconteceu com Saulo (mais tarde Paulo) a caminho de Damasco onde iria caçar Jesus.
Quando as revelações têm origem e destino na mente coletiva levam ao agrupamento dos afins. Estranhos no ninho se juntam com estranhos no ninho para poder se sentir menos estranhos; aí o que acontece é que "os outros" se tornam estranhos.
O que podemos observar nesses fenômenos sejam eles muito pessoais, ou de fundo coletivo, é que estão geralmente associados à solidão, mais que isso à sensação de isolamento e não pertencimento.
Muitas pessoas me relatam que antes de sua revelação, se sentiam como estrangeiros; não se achavam confortáveis em suas roupagens familiares, sociais, culturais e até geográficas.
Uma conhecida que estava muito infeliz no casamento, revelou-me que Deus ouviu suas preces e condoeu-se com o seu sofrimento e colocou em seu caminho um guru iluminado, alguém escolhido a dedo por Ele para reconduzi-la ao caminho da Luz e da plenitude. Ela estava totalizada, seu guru a preenchia totalmente, bye bye dúvidas, bye bye inseguranças e sensações de que havia sido exilada pelo amor. Quando finalmente conheci o guru divino, logo vi que se tratava não apenas de um picareta, um autêntico "171", mas pior, era um sujeito maligno, com coração e intenções perversas, um psicopata. Mas nada que eu dissesse ou provasse a faria mudar a direção de sua mente. Ela estava naquele estágio em que a pessoa diz: "Mesmo que fosse verdade eu não acreditaria."
Quando várias pessoas escolhidas pela revelação coletiva se unem, tornam-se um risco para si e para os infelizes não tocados pela mensagem divina. Lembram da seita Verdade Suprema no Japão? Liderados por um guru psicopata colocaram gás Sarin no metrô de Tóquio matando muitos inocentes; a maioria foi presa e está atrás das grades até hoje. E por quê? Para quê? Qual foi o ganho disso? Para os "revelados" são questões irrelevantes, porque eles sabem de coisas que nós desconhecemos. Isso os torna especiais, autorizados por uma autoridade suprema.
A solidão indesejada, a percepção de exclusão, de que "esqueceram de mim" pode, para algumas mentes mais sensíveis, levar a serem cooptadas por esses conteúdos ancestrais e avassaladores.
Ironicamente verdadeiros apocalipses são causados por tais "revelações" onde o indivíduo se conecta a esses conteúdos/energia ao mesmo tempo que se desconecta dos resto das pessoas, assumindo um nível psicológico semelhante ao dos psicopatas insensíveis e desidentificados com o outro.
Observando a insensatez das torcidas organizadas capazes de matar e destruir os "inimigos", ou dos terroristas capazes de atacar e levar o terror a gente que desconhecem – mas justificados pela "revelação" da causa – podemos pressentir que antes da revelação havia sempre a solidão, o grande vazio.
Revelações em geral obedecem a um padrão: descobre-se finalmente quem é o "Inimigo" a ser combatido e quem são os "irmãos", se estabelece a linha divisória entre eu (ou nós) e o resto. Existe uma tabela de castigos e de premiações (ir para o paraíso onde vinte mil virgens o esperam alegres e dadivosas).
Mortais temei as "revelações", o Apocalipse, mas temei antes a solidão indesejada, a rejeição amarga e acima de tudo o deserto de gelo do desamor.
Amar desinteressadamente ainda é o melhor antídoto, é o melhor combustível para nossas almas navegarem leves pela estrada da Evolução.