por Roberto Santos
Viver em grupos, bandos, matilhas, corporações ou outras coletividades é característica comum da maioria das espécies com as quais os seres humanos convivem – algumas até lhe servem de espelho, pelas lições de produtividade, organização e eficiência, como as abelhas e formigas – e todas têm um tipo de hierarquia, como a Rainha e as Operárias, no caso das abelhas, ou o chefe e os subordinados nas empresas.
Os seres humanos têm duas necessidades básicas que compartilham com os primatas e outras espécies: a necessidade de pertencer e ser aceito pelo grupo e a necessidade de se destacar em sua hierarquia, como o Macaco Alpha em seus bandos, que domina a macacada, ou os humanos que brigam pelo “corner office” ou por aquele lugarzinho no topo das pirâmides corporativas, bem juntinho do faraó.
Nós humanos nos diferenciamos de nossos predecessores na escala filogenética da evolução porque buscamos encontrar respostas sobre o significado da vida, sejam respostas religiosas, espiritualistas, filosóficas ou científicas, nós adotamos valores que norteiam nossos comportamentos na busca daquilo que acreditamos sobre vida, morte e outras questões relativas ao convívio humano.
É visível a qualquer pessoa o quanto os indivíduos se difenciam em relação a seus interesses sociais, de status e financeiros. Conhecemos no ambiente de trabalho corporativo aqueles tipos mais quietões que preferem ficar no seu canto, fazendo seu trabalho isoladamente e aqueles supermatracas que não perdem uma piada no cantinho do café e para qualquer probleminha propõem uma reunião.
Também conseguimos detectar, com alguma facilidade, aqueles tipos ambiciosos e ávidos por poder e status, sempre esperando por uma oportunidade de vender, para os chefes, aquilo que prepararam, como a solução definitiva dos problemas da empresa. Para outros menos competitivos, que acreditam que seu trabalho será reconhecido sem autopromoção, aqueles são carreiristas que fazem estardalhaço mesmo pelo que não entregam.
Muitas vezes, nosso colega ambicioso também é altamente motivado pelas questões monetárias do trabalho. Essas pessoas costumam avaliar-se em função de quanto ganham e quanto podem comprar. Em um curto espaço de tempo em que conversamos com esse tipo, logo estará nos contando da última bagatela que adquiriu e o ótimo negócio que fechou, mesmo que seja no happy-hour ou no velório de despedida de um colega comum.
Essas pessoas, com as mais diferentes personalidades e motivações, se encontram no ambiente de trabalho e têm que trabalhar juntas, ou pelo menos se aturarem quando o trabalho em equipe é inevitável. Daí surge a questão sobre a amizade naquele ambiente onde entramos sem ter escolhido com quem teríamos que conviver.
Colegas de trabalho, companheiros temporários em um projeto, amigos, desafetos, indiferentes ou inimigos mortais — com quais dessas categorias de convivas você já teve de lidar e como se saiu?
Primeiramente, há os indiferentes; aquelas pessoas que "não cheiram, nem fedem", que entram e saem da empresa como se estivessem camuflados com o papel de parede de samambaias. Essas podem sair da empresa e levar meses para notarmos sua falta, ou como diz um amigo, "sua ausência preenchia uma lacuna". Podemos desvincular essas pessoas dos colegas e dos inimigos; não os vemos nem como um aliado, nem como uma ameaça, e assim permanecem por um longo tempo.
A notícia aqui é que essas pessoas que rotulamos de indiferentes e deletamos de nosso radar social, podem ser apenas introvertidos que têm muito a contribuir mas que preferem ficar nos bastidores e assim podemos estar perdendo grandes colegas ou até um amigo.
Os colegas de trabalho ou companheiros temporários de projetos variam quanto ao tempo que terão de conviver e, por consequência, quantas coisas boas e ruins terão que conhecer uns dos outros; quanto de seu "lado sombra" ficará visível em situações de estresse. Além disso, aqueles que não estão juntos apenas por um período de tempo previamente limitado, compartilham de um certo montante de atenção do chefe — fonte de benesses e recompensas — ou de maus tratos, desmotivação e assédio moral. Os chefes parecem possuir a chave para tornar colegas de trabalho em desafetos ou inimigos, pela forma que estimulam o comportamento competitivo, tendendo à seleção Darwinista.
Colegas de trabalho: potenciais desafetos ou aliados
Não há como se negar ou evitar, o ambiente organizacional, sejam os cubículos de uma empresa, os púlpitos de uma igreja ou as cátedras em uma universidade, faz aflorar nossos instintos de atacar e defender e formar alianças contra inimigos comuns. Entramos em panelas para evitarmos cair nas frigideiras corporativas. Portanto, os colegas de trabalho são potenciais desafetos ou aliados.
Como vamos nos relacionar com eles vai dizer muito do que se tornarão em nossas vidas. Não há receitas além da mãe de todos os Valores — a Ética. Nas relações de trabalho, a Ética estabelece princípios que vetam as fofocas, as acusações infundadas sem direito de defesa, que vetam os rótulos precoces que aprisionam o outro em uma reputação não merecida e que propõem um espírito colaborativo que é inerente à razão pela qual as pessoas, teoricamente, são recrutadas a uma organização — o trabalho conjunto com um fim partilhado entre todos seus membros.
E amigos no trabalho — existem ou é um mito, pela natureza eminentemente competitiva das organizações?
Aquele que chamo de amigo hoje, que convido para um churrasco lá em casa e com que me confidencio sobre a mais recente desilusão amorosa, amanhã poderá ser o escolhido para aquele cargo que eu tanto almejava, passando a ser meu chefe. E agora, como fica essa amizade? O quanto ambos "amigos" estão preparados para esse grande teste de amizade?
Recentemente, escrevi algo para meus grandes amigos e quando me preparava, pesquisei o Google e encontrei 13,4 milhões menções ao tema! Parece que não há algo de novo para se abordar sobre o tema, já desgastado em melosos PPSs que circulam na Internet ou em posts de citações famosas no Facebook. Por isso, me limito a uma tentativa de entender a fronteira entre o coleguismo diplomático no trabalho e as amizades verdadeiras iniciadas no trabalho, mas que o transcendem.
Talvez a base de uma amizade iniciada no ambiente de trabalho seja aquela "química pessoal" gerada por interesses, preferências e, principalmente, valores pessoais ou, segundo aqueles mais esotéricos, aquela vibração e energia, ou mesmo aura, que aproxima ou afasta as pessoas. Sobre o alicerce daquela química, as pessoas têm inúmeras interações em que podem conhecer o comportamento e as reações dos demais, em diferentes situaçoes e, a partir daí, julgar a coincidência de valores e comportamentos. Papo vai papo vem e os assuntos extrapolam o trabalho para falar sobre cinema, futebol ou a vida pessoal, podendo se estabelecer uma ponte para a vida além do trabalho — uma nova amizade se inicia.
O difícil é manter as amizades. A sustentação da verdadeira amizade se dá pela consistência de nossos comportamentos e a demonstração cotidiana de nossos valores por nossas ações. Nossa disposição de dar feedbacks genuínos, às vezes duros, e nossa capacidade de separar os incidentes do trabalho com a amizade que o transcende são alguns dos elementos que sustentam as amizades.
Pode parecer uma missão quase impossível, mas posso afirmar que ainda hoje vários de meus grandes amigos são ex-colegas, subordinados ou chefes em diferentes organizações, que tivemos a felicidade de isolar a amizade dos conflitos inerentes à competitividade nos ambientes organizacionais para conseguir um Bem maior nessa vida.