por Luiz André Martins
Muito se escreveu e se discutiu nesta coluna acerca das questões que convencionamos chamar de "amorosas". Neste período, de pouco mais de um ano, diversas perspectivas foram contempladas neste espaço de reflexão: diferentes aspectos da traição, as possibilidades de se amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo, critérios de escolha, inter-relações entre corpo e psique, entre amor e química corporal. Enfim… diferentes olhares referentes àquilo que chamamos de Amor.
Um importante aspecto, entretanto, exige reflexão: o tema separação pode figurar numa coluna que se propõe a discutir o amor? Evidentemente que sim, e cabe a este artigo a tarefa de propor tal reflexão.
A experiência da separação se apresenta como uma realidade humana típica. Prova incontestável deste fato, é o nosso próprio nascimento: comprovadamente há vida intra-uterina, mas nos referimos ao nascimento somente no momento em que, de fato, a criança e mãe se separam. Ou seja, o nascimento é consagrado pela separação de duas vidas, ambas pré-existentes, que se reencontram em um outro nível de realidade.
Até então, o feto, apesar de pulsar e reclamar junto à mãe (e as mulheres grávidas não me deixam mentir!) é encarado como "alguém que está por vir". De modo que o nascimento é, a um só tempo, uma separação e um sinalizador de um novo momento de se relacionar com a realidade concreta.
No decorrer de nosso desenvolvimento psíquico inúmeras são as ocasiões onde o mote da separação se apresenta, especialmente na relação pais-filhos: o primeiro passeio do casal após o nascimento do filho; o primeiro dia de aula; a primeira noite dormida na casa dos amiguinhos; a primeira balada; o primeiro namoro. A lista é interminável, fato que nos aponta à percepção de que a separação é uma realidade humana. Mas o que podemos perceber entre separação e relacionamento amoroso?
Vivemos a realidade da globalização: a um clique de mouse ou um toque de celular atravessamos o mundo; um minuto diante da televisão e nos damos conta daquilo que acontece nos locais mais distantes do planeta. Outra faceta deste fenômeno mundial refere-se à esfera econômica: vivemos a globalização do capitalismo, onde seus valores matemático-financeiros se impõe, não só no âmbito comercial, mas também como parâmetros que regulam nossas relações inter-pessoais.
Uma decorrência diretamente perceptível deste fato, é a maneira bancária de nos mantermos em relação. Explico. Passamos a viver e medir nossas experiências exclusivamente pelo viés econômico, ou seja, o sucesso de um relacionamento é medido pelo tempo de duração; o sucesso de um indivíduo é medido, por sua vez, pela quantidade de relações em que se envolve. A própria noção de mensurar (medir) um relacionamento nos mostra quão arraigada esta percepção financeira está em nossas existências. O que importa, então, dentro deste viés, é "quanto" e não "como".
O que podemos perceber deste modo, é que a separação ora entendida como um aspecto legítimo – dentre tantos outros – da natureza humana, passa ao status de erro, falta, falha. Tratamos algo próprio da experiência humana e, portanto, necessário, como um deslize a ser evitado. E a culpabilização decorrente deste processo nos afasta de um aspecto primordial da separação: a possibilidade de emersão de nossa individualidade.
A separação é necessária à vida. Se, por um lado, apresenta um aspecto de dor e solidão, por outro pode se apresentar como edificante. Pois é a partir da experiência de separação que a possibilidade de individualidade apresenta-se como possível. É a partir da dor da separação que surge a alegria da existência individual. E esta tomada de consciência de nossa individualidade se dá, justamente, quando podemos nos perceber "separados" do outro, como uma existência autônoma, onde também passamos a perceber o outro como uma entidade única, desejante, que também deve ser levada em conta como tal.
Podemos perceber aos poucos se delineando uma ideia de escolha. De um lado, o chamado a uma percepção "econômica" da separação, vinculada intimamente a ideia de quantidade (mais é melhor); por outro, o chamado a um entendimento mais integrado da ideia de separação, como um dos aspectos da existência humana, percebido agora não mais como falha, mas como necessário ao processo de crescimento individual.
Podemos entender esta diferenciação pelo prisma da dicotomia individualidade/individualismo. Na primeira está a ideia de um caráter especial em particularidade que distingue um indivíduo; ou seja, fala daquilo que é único, que pertence de modo particularizado, àquele ser humano. Aqui surge a ideia da possibilidade do ego a serviço do Amor. Já na segunda, a ideia embutida é uma existência individual, egocêntrica; o indivíduo, nesta perspectiva, se norteia nos princípios egóicos de satisfação imediata onde prevalecem as vontades conscientes: é o Amor a favor do ego.
O que podemos perceber, então, é que dentro de uma perspectiva materialista, onde se prioriza a quantidade, a separação é vista e sentida como perda. Mas, diante de uma percepção integral, onde procuramos entender cada passo por nos dado, como partes de um quebra-cabeças – nossa vida – a separação pode se apresentar não só como uma etapa, mas uma etapa edificante, onde são colocados à prova nossos critérios éticos de escolha. E a questão principal da separação diz respeito justamente ao posicionamento ético que nos propomos e propomos ao mundo.
Então, as escolhas que norteiam um relacionamento devem estar presentes, também, no processo de separação. Este processo deve ser ético e procurar criar uma nova síntese, ou seja, não encará-la como perda, mas sim como um novo momento, onde se apresenta um novo lócus consciente, um novo estágio de consciência, trazendo à tona possibilidades de crescimento pessoal e novas opções de vida.
O tema "separação" foi escolhido não só pela relevância atual do tema, mas, também, por um motivo especial: este artigo encerra as contribuições do grupo S.E.J.A. junto ao site "Vya Estelar". E, dentro de uma perspectiva integrada, nos separamos desta relação; relação esta repleta de frutos e surpresas; relação esta baseada em cumplicidade e respeito; relação esta, enfim, inteira. Mas esta relação, como tantas outras de sucesso, chega ao fim. Em nome de todos os membros do grupo S.E.J.A. agradeçomos tanto aqueles que nos apoiaram como aqueles que criticaram, pois o fim último de um relacionamento é a troca legítima e honesta, sempre em busca de nossos caminhos. OBRIGADO!
P.S.:Como o fim de uma relação não equivale a silencio absoluto, colocamo-nos à disposição daqueles que queiram entrar em contato.