por Roberto Goldkorn
Assisto pela TV cenas de uma guerra qualquer, com gente dilacerada, crianças chorando, adultos berrando em desespero. Penso perplexo: como será a germinação do amor entre essas pessoas? Como conseguem sentir o arrebatador enlevo do sentimento amoroso em meio ao cheiro de pólvora e de corpos carbonizados? De que forma o aroma doce e selvagem do amor pode ser percebido acima do cheiro do medo e da morte?
Mas de vez em quando também assisto a cenas de casamentos, de gente dançando a alegria dos encontros e das uniões. Se não foi o amor que obrou ali deve ter sido algo parecido. Não faz grande diferença uma vez que não tenho a mínima idéia de como se mede ou se testa o amor para saber se é do “bom” ou do “médio”.
Pensando nisso conclui talvez precipitadamente, que o amor ou algo que o valha, acontece nas tréguas, nesses pequenos intervalos inter-hostilidades. A imagem que me vem à mente são aquelas plantinhas que ilogicamente florescem no meio de blocos de concreto. Pensando mais longe ainda percebi que todos ou quase todos vivemos nossas guerras pessoais ou grupais. Talvez não tenhamos *obuses despencando sobre as nossas casas, nem um ratatá de metralhadoras dia e noite a nos fustigar, mas temos sim tantas hostilidades, tanta crueza que podemos dizer sem medo de sermos sensíveis demais: estamos em guerra sim.
Mesmo que você não more em uma área conflagrada, o ronco dos tigres pode estar dentro de sua cabeça, e os rolos de arame farpado cercando o seu coração. Um avião que cai, um chefe que berra e ofende, um motorista bêbado que atropela e foge, a bolsa que cai, o colesterol que sobe, é a guerra. Ainda assim há tréguas, esses pequenos espaços em branco que podemos pintar com as cores do afeto, do tesão e quem sabe do amor. Mas como nas guerras de verdade muitos preferem levá-las a sério sem intervalos comerciais. Se perguntados sobre o amor e outras frescuras dirão: “Não vês que estamos em guerra, e que não há tempo para essas bobagens?”
As guerras sejam elas contra um inimigo hostil e armado, seja contra a depressão, a desilusão ou a demissão sempre deram bons motivos para o não-amor. Na verdade motivos não, desculpas. O amor é um desafio tão portentoso que muitos preferem se esconder atrás de guerras reais ou virtuais, a ter de enfrentá-lo. E quando digo amor com minúscula mesmo, não me refiro apenas aquilo que se estabelece, apenas entre parceiros com mútuo desejo. Amor aqui se não for mais abrangente, um gesto emocional de profunda generosidade, de consideração pelo outro não poderá ser direcionado a um ou uma amante. Por isso não acredito no amor de bandidos assassinos, por suas mulheres ou pelos seus filhos. Vejo esses “amores” como quem dá o peito para alimentar a vida mas junto com o leite há sangue.
O amor é possível mesmo sob fogo cruzado, mesmo entre socos e pontapés, pois sempre haverá uma trégua, onde a generosidade pode ser constelada. Não há desculpa exterior ou interior para o não-amor, nem há amor para quem não produza a trégua da generosidade. Pessoalmente não acredito na paz, mas acredito no amor como uma força ligada à inteligência. Se o ser humano quiser sobreviver a si mesmo precisa de inteligência, o maior veículo da inteligência é sem dúvida o amor.
*Obus: máquinas de lançar pedras; bombas ou granadas lançadas pelo obus
Fonte: Dicionário Aurélio