por Elisandra Vilella G. Sé
A grande curiosidade sobre o que nos espera após a morte é tão antiga quanto à própria humanidade.
A natureza nos deu o instinto de conservação e não queremos chegar ao fim. O corpo se deseja eterno, mas ao mesmo tempo sabemos que ninguém ficará eternamente jovem, porque a fonte da juventude não existe, nenhuma etapa da vida volta ao seu estado anterior, somos ciclos entrelaçados. Então, é melhor aprender a ser velho.
E nesse processo de envelhecer, quando falamos de finitude, não nos referimos apenas à morte, ao fim do nosso corpo biológico, à última etapa e momentos de vida. Falamos de tudo o que passa pelo curso de vida, de tudo que necessitamos para viver, todas as conquistas e perdas. E porque temos essa consciência da finitude é que repelimos a morte, transcendendo a vida.
Essa consciência do fim da nossa existência é uma característica do ser humano que o diferencia dos outros animais, que de certa forma nos ajuda a organizar e planejar a vida, projetar um futuro. E saber que nossa vida tem um fim geralmente causa uma tristeza. Pois a morte é um problema para os seres que podem projetar a si mesmo. Pelo fato da consciência da morte, do fim da vida ser um desafio para o homem desde os primórdios da humanidade, ela se torna um tema muito importante. E a finitude ganha importância para cada pessoa dependendo do significado que lhe é atribuído em cada sociedade, bem como a imagem que a morte tem para cada um.
Por exemplo, nas sociedades ocidentais a imagem da morte vincula-se muito à imagem da cama de hospital, associada a doenças terminais, incuráveis e geralmente causada pelo envelhecimento. Isso significa que a morte ficou cada vez mais reclusa nas mãos de especialistas, onde ela é abordada, noticiada, tratada por profissionais nas instituições e hospitais.
Nobert Elias (2001) em seu livro “Envelhecer e morrer” nos diz: "As pessoas bem sabem que a morte chegará, mas saber que ela é o fim de um processo natural ajuda a aliviar a angústia." O conhecimento da implacabilidade dos processos naturais é aliviado pelo conhecimento de que, dentro de certos limites, eles são controláveis.
A experiência de determinados tipos de morte (por idade, por doenças crônicas, infecciosas, neurodegenerativas, por guerra, por epidemias) influenciou a imagem, a cultura e o discurso sobre a morte.
E como é percebida a morte nas sociedades contemporâneas, já que muitas das sociedades atuais e seus membros apresentam problemas para enfrentar a questão da morte?
Na nossa sociedade atual o que se vê é uma repressão da morte, uma vez que é comum a privatização dela, a exclusão dos doentes do convívio social, o confinamento em instituições asilares ou hospitais, a abordagem fria dos profissionais de saúde, a distância em relação aos velhos no fim da vida. Enfim, longe da vida cotidiana. Tudo isso não é nenhum exagero, faz parte de um discurso bastante aceito na prática, infelizmente. Talvez por que como nos diz Irvin D. Yalom “Cada vez que respiramos, afastamos a morte que nos ameaça… No final, ela vence, pois desde o nascimento esse é o nosso destino e ela brinca um pouco com sua presa antes de comê-la. Mas continuamos vivendo com grande interesse e inquietação pelo maior tempo possível…”
Isso porque a morte é o segundo maior tabu da humanidade, o primeiro é o sexo. Parece que vemos a morte como um interdito, um fluxo contracorrente do nosso acelerado e intenso modelo de vida, que deveria ser banida, exilada. O ideal é que ela seja banida, um vencimento a ser evitado.
Portanto, nos discursos diversos que vimos por aí fica claro o porquê controlar o envelhecimento, seguindo uma ordem de leituras, informações, estética, camuflagem, etc…; tudo para controlar a morte biológica o que causa no indivíduo o desejo de uma fonte única, restauradora, regeneradora, mítica, enfim a necessidade de se manter sempre jovem.
Assim, o corpo pode ser ativo ou não, e é em volta dele que ronda a morte em todas as esquinas. É ele o ponto preciso de um tempo no momento em que nascemos. A fantasia de poder controlar a chegada do fim da vida fica evidente e infelizmente ela está mais visível, estampada nas telas da TV.
De fato, fica difícil descobrir uma tendência clara na relação das sociedades contemporâneas com a morte, pois podemos observar uma coexistência de formas diversas de lidar com a finitude da nossa existência. Mas de uma coisa sabemos, em algum momento da vida, cada um de nós será obrigado a dar conta da própria finitude. O tempo é infinito, mas somos só um recorte do tempo, precisamos saber o que ser, o que fazer dentro desse infinito.