por Jocelem Salgado
Recusar todos os pratos, fugir de todas as situações em que você é convidado a comer, olhar no espelho e se ver mais gordo do que você é. Essas são situações que caracterizam alguém que sofre de anorexia. E há aquelas pessoas que comem muito e depois querem vomitar para se livrar daquilo que comeram. Estas sofrem de bulimia. Nos dois casos, as pessoas – especialmente os jovens – sofrem de transtornos graves e necessitam de ajuda.
Pessoas anoréxicas encontram-se muito abaixo do peso, magras, muito magras, mas se olham no espelho e se acham gordas, horríveis! Na mesa do jantar, sempre arrumam um jeito para fingir que estão comendo. Quando não conseguem disfarçar e alguém as obriga a comer, aproveitam a ida ao banheiro para enfiar o dedo na garganta e vomitar. Fazem de tudo para perder o apetite, até perder totalmente a vontade de comer.
Reforço, as pessoas que agem assim sofrem de um transtorno alimentar chamado anorexia. Ele afeta principalmente as mulheres e, especialmente, as adolescentes entre 13 e 18 anos. A doença ficou conhecida nos anos 1970 quando a cantora Karen Carpenter morreu de desnutrição decorrente da anorexia.
Hoje, os especialistas estão alarmados com o crescimento dessa doença que tem tudo a ver com o padrão feminino de beleza. Por esse critério, o ideal é um corpo cada vez mais magro, não importa a que custo. As vitimas são adolescentes que sonham em ser Gisele Bündchen, mas que começam pelo pior lado da historia, param de comer.
Vamos voltar à questão da anorexia mais adiante, tratando de suas manifestações, os problemas que traz e como pode ser cuidada.
Outro transtorno alimentar cada vez mais comum, a bulimia, tem alguns pontos em comum com a anorexia.
0 transtorno bulímico caracteriza-se por uma dificuldade em conservar os alimentos ingeridos. Suas vitimas se apavoram e sofrem muito com a possibilidade de ganhar peso. Mas, diferentemente das vitimas da anorexia, os bulímicos apresentam episódios recorrentes de comer sem parar, ou seja, compulsivamente. Depois, com sentimento de culpa, adotam atitudes compensatórias: causam vômitos, tomam laxantes para provocar diarreia, usam diuréticos ou se entregam a exercícios físicos às vezes violentos.
As duas doenças, justamente por serem transtornos alimentares, têm a ver com a relação da comida com o corpo, e têm a ver com a forma como as pessoas enxergam e lidam com seus corpos. Nos dois casos, as pessoas portadoras dessas patologias se caracterizam por um fanatismo atroz na busca de um corpo perfeito.
Epidemia do culto ao corpo
Há autores que já classificam esses transtornos como uma "epidemia do culto ao corpo", epidemia que se multiplica à medida que o conceito de beleza se associa cada vez mais ao da magreza absoluta.
Nos países industrializados, estima-se que aos 15 anos, uma em cada quatro meninas faz regime para emagrecer, sem que esteja acima do peso.
É nessa idade da adolescência, quando a personalidade ainda está em formação, que a busca do modelo dos corpos perfeitos pode se transformar em uma obsessão pela magreza e, assim, emagrecer passa a ter mais importância do que qualquer outra coisa na vida, inclusive o convívio social.
No caso dos bulímicos, a compulsão por comer e por se livrar da comida ingerida, muitas vezes, não transparece na forma física. Muitos deles parecem estar dentro do peso, o que dificulta que seu problema seja percebido pelas pessoas que estão à sua volta. Se a família é presente e o bulímico precisa evitar comportamentos estranhos a ela, demora mais para ir ao banheiro; porém, se vive só, a chance de provocar o vômito imediatamente é maior.
Uma das vitimas famosas dessa doença foi a princesa Diana, cujas formas não deixava transparecer suas compulsões.
Sofrimento psíquico
Muito já se falou e muito já se escreveu a respeito da bulimia e da anorexia, mesmo assim é importante lembrar e destacar a gravidade e a frequência com que vem ocorrendo, principalmente a anorexia.
Para quem não convive e nem teve contato próximo com uma adolescente anoréxica, pode ficar a impressão de que se trata de coisa da idade, um mal da moda, passageiro e facilmente corrigível. Não é nada disso. Suas vítimas, quando encontram espaço para falar, relatam um grande sofrimento físico e psíquico. É como se, dentro delas, houvesse outro ser capaz de deformar seus corpos no espelho e fazê-las fugir de qualquer alimento.
Então, a meu ver, um primeiro passo importante é perceber o que esta acontecendo com elas – digo elas porque mais de 90% das vitimas da anorexia são mulheres. E por serem adolescentes, em uma fase delicada da vida, precisam ainda mais de nossa atenção.
Sintomas de vítima de anorexia:
– medo exagerado de ganhar peso, mantendo-se sempre abaixo do mínimo desejável para a idade;
– uma imagem corporal distorcida, queixando-se sempre de que está gorda, quando na verdade está abaixo do peso;
– dietas muito severas, recusa de uma série de alimentos e exigências por pratos extravagantes, difíceis de serem preparados;
– sentimento de culpa e de depreciação que chega ao vômito depois de comer alguma coisa;
– depressão, tristeza e, em casos mais graves, ausência de menstruação.
Parte dos casos extremos de anorexia termina em morte por carência total de alimentos. Nas fases mais severas, a paciente terá de ser tratada por uma equipe multidisciplinar: médico, nutricionista e terapeuta. O risco de recaídas é sempre muito grande, por isso, a atenção deve ser continuada.
Boa parte dos casos de anorexia pode ser evitada por meio de uma atenção cuidadosa e redobrada a essas adolescentes principalmente por parte das pessoas que estão à sua volta.
Mesmo quando as queixas e os pequenos episódios de "fuga da comida" possam parecer caprichos de menina, eles merecem cuidados. Em todos os casos, o melhor remédio é a atenção, sem cobranças e sem vigilâncias, mas firme e sempre presente.
Há especialistas que recomendam um tratamento de choque, internando a adolescente e fazendo-a comer, queira ela ou não. Atitudes assim chegam a ser necessárias quando a paciente já perdeu peso em excesso e não consegue mais se alimentar, colocando sua vida em risco.
Preste atenção
Mesmo nesses casos, a presença constante de pessoas amigas e de um terapeuta é fundamental, pois, embora os transtornos alimentares sejam em boa parte decorrentes da cultura e da moda, eles trazem uma carga de razões psíquicas e emocionais, na maioria das vezes de origem familiar.
Tanto é assim, que grande parte desses transtornos é de origem nervosa (bulimia nervosa e anorexia nervosa). No caso da bulimia, por exemplo, a necessidade de vomitar ilustra a reação de pessoas que precisariam livrar-se de situações vividas que se tornaram intoleráveis em sua consciência. Talvez, Lady Di, ao vomitar, estivesse querendo se livrar da relação traumática com o marido. Porém, essa é apenas uma hipótese, pois nossa mente pode adotar muitas formas de extirpar situações e conteúdos indesejáveis já vivenciados. Só especialistas podem diagnosticar corretamente o que está se passando.
Da mesma forma, a repulsa ao alimento, a distorção da imagem corporal e a obsessão pela magreza, características da anorexia, podem ser manifestações de situações de abandono e violência vivenciadas na infância.
Há relatos de adolescentes que atribuem sua anorexia às mães que as obrigavam a comer compulsivamente. Essas, sentindo-se culpadas por não poderem dar a atenção que desejavam as suas crianças, tentavam compensar obrigando-as a comer.
Há especialistas que relacionam os transtornos alimentares à separação dos pais, à violência dentro de casa e a um excesso de insegurança agravado pela família e pelo ambiente escolar.
Vendo dessa forma, bulímia e anorexia são reflexos de traumas emocionais que precisam ser cuidados pelas pessoas que estão próximas e, se possível, por especialistas. São transtornos que podem se tornar muito graves se não forem observados e tratados a tempo. Prestar atenção e estar sempre ao lado da pessoa são cuidados que nossos adolescentes esperam e merecem de nós.
Hábito alimentar saudável começa na infância
Infelizmente, cada vez mais se tenta copiar um universo transmitido pelas modelos, no qual prevalece a regra do quanto mais magro melhor. Todos sabem que essa regra não é a mais adequada e, por isso, no nosso caso e das nossas crianças, vale a pena insistir em hábitos alimentares saudáveis desde a infância, com refeições balanceadas cumpridas em horários fixos, bem como o desenvolvimento da educação alimentar.
Se a criança aprender que durante a semana deverá cuidar da alimentação, seu refrigerante no fim de semana não precisa ser proibido. Uma semana com arroz, bife e salada será recompensada com um domingo de sanduíches e sorvetes na padaria da esquina. A estratégia é transformar a comida do dia a dia em momentos de prazer, com a garotada participando da preparação da salada, da escolha do legume e da elaboração dos molhos e temperos. Nada de dividir a atenção com a televisão. O prazer da comida tem de estar na brincadeira de reconhecer os sabores diferentes de uma beterraba, de uma batata, de uma abobrinha ou de uma couve-flor.
Também é preciso conhecer e respeitar o ritmo de cada criança. Ela pode não querer uma sopa de beterraba às 11 horas, mas pode adorar e comer um "prato inteiro" às 13 horas. Cabe aos pais sentir qual a predileção de suas crianças, dos horários de sono ao momento em que sentem mais fome ou vontade de brincar. Não se trata de atender suas vontades, mas de descobrir um ritmo e um horário que são próprios de cada criança.
Já os adolescentes não conseguem mais se enquadrar nessa de rituais e horários. Devoram pratos inteiros e dormem dez horas ininterruptas. São criaturas frágeis e, algumas vezes, transmutam essa fragilidade em agressão e onipotência. Precisam de diálogo sincero e de apoio para compartilhar uma angústia que só eles estão vivendo, pois são eles, nessa fase da vida, que perderam o corpo da infância, que perderam os pais da infância, mas ganharam outro mundo. O mundo agora é outro, inóspito para seus corpos destrambelhados que cresceram depressa demais.
Como dizer a nós mesmos e como dizer a esses adolescentes que engordar e emagrecer, além da compleição física da família, pode ser um problema facilmente tratável? Não há razão para tanto sofrimento, tanta angústia na alma "teen", quando um pouco de conforto poderia ser estabelecido com um mínimo de diálogo com os mais velhos, pais, colegas e professores.
Nada pior para um adolescente do que um adulto que tenta fazer dele um falso cúmplice. A cumplicidade que os adolescentes precisam é na esfera da sincera disposição em escutá-los, em dizer um pouco dessa sensação desagradável e necessária que é ver o mundo com outros olhos.
Vamos convidar nossas crianças, meninos e meninas, para colaborarem no preparo da mesa e na mistura dos temperos. Eles vão adorar e nós, adultos, descobriremos novos sabores nas nossas saladas e nas nossas relações.
Atenção!
Este texto e esta coluna não substituem uma consulta ou acompanhamento de um médico e não se caracterizam como sendo um atendimento.