por Cybele Russi
Você está passeando com a família no shopping e, de repente, seu filho cisma de querer mais um brinquedo para a sua coleção, além das dezenas que ele já possui. Você endurece e diz não. Ele, inconformado, se atira ao chão e tem uma crise de birra em pleno shopping. Ele grita, chora, sapateia e chuta para todos os lados. Que situação! Ninguém merece viver uma situação dessas. Ou merece?
A crise de birra infantil é uma demonstração clara de raiva, de irritação, de insatisfação com uma situação com a qual ela já não consegue mais lidar. Quase sempre se manifesta de maneira corporal, por meio de gestos, de gritos, de expressões faciais e de choro. É a forma que a criança encontra para nos mandar uma mensagem, para nos dizer com o corpo aquilo que não consegue transmitir por meio de palavras, pois nem ela mesma sabe que sentimentos são aqueles que a estão perturbando.
A verbalização é muito difícil nessas ocasiões. Então, ela explode numa crise de raiva que, na maioria das vezes, nada tem a ver com seu desejo real. Essa explosão pode ter dois significados: ou se trata de uma expressão típica da criança mimada, que não tem seus limites claramente definidos e, portanto, que tem o controle da situação e sabe manipulá-la a seu favor; ou se trata de uma necessidade urgente de se fazer ouvir, de fazer notar suas necessidades, não por ser mimada, mas por alguma carência que desconhecemos. Em qualquer dos casos, uma vez instalada a crise, é preciso agir.
Diante de uma crise de birra, quase sempre os pais perdem o controle da situação, e acabam agindo de forma igualmente infantil, entrando numa queda de braço ou, pior ainda, cedendo de imediato aos caprichos do pimpolho.
O que fazer na hora da crise?
Na hora em que a criança está tendo sua crise, a melhor atitude é não entrar no foco do problema, ou seja, não entrar numa discussão sobre seu comportamento inadequado, não questionar sua real necessidade daquilo que desencadeou a crise e menos ainda, tentar convencê-la por meio da argumentação. Em estado de crise a criança mal consegue ouvir o que lhe dizemos e muito menos, compreender. A melhor atitude é tentar resolver o problema rapidamente, de maneira eficaz e sem grandes discursos. E em hipótese alguma ceder. Procurar retirá-la do local com calma e firmeza é o mais sábio a se fazer no momento.
Esse tipo de cena sempre existiu, mas quase sempre dentro do espaço reservado da família, e a solução encontrada naquela época para acabar logo com aquilo era dar umas boas palmadas: os tempos mudaram e desde junho vigora a lei da palmada com objetivo de coibir maus-tratos e violência contra a criança. Hoje a birra se tornou comum no espaço público.
No passado não havia shoppings, não havia toda essa propaganda comercial dirigida ao público infantil, transformando nossas pequenas crianças em grandes consumidores. O número de mães que trabalhava fora era menor e a dinâmica familiar era outra. Com o divórcio e as conquistas da mulher no mundo do trabalho vieram os filhos de pais separados e de mães que trabalham fora o dia todo. Esses filhos conhecem bem de perto o significado da ausência e da distância, ora do pai, ora da mãe. Mas junto com as conquistas do casal, veio uma culpa imensa por parte dos pais.
Hoje ninguém pensaria em encher uma criança de palmadas, mas sabemos também que a culpa é a pior conselheira educacional. Movidos pela culpa, pais com total capacidade de educar de maneira sincera e transparente acabam perdendo o controle da situação e muitas vezes, trocando de papel com os filhos, permitindo que estes passem ao controle. A culpa é um sentimento paralisante e destrutivo, porque nos impede de enxergar com clareza, nos impede de agir com lucidez e de tomar as melhores decisões.
Movidos pela culpa, cedemos às exigências mais absurdas, concordamos com ideias que contrariam nossos princípios, e nos perdemos num mar de contradições, pois nosso discurso está sempre caminhando no sentido contrário ao de nossas ações. Pregamos uma coisa e fazemos outra.
A criança que faz birra, de uma certa maneira, está testando esse controle, está checando quem pode com ela. E quando os pais cedem já entregaram o controle a ela.
Excesso de flexibilidade leva à carência de limites
Todos concordamos que os pais devem ser amigos de seus filhos, mas o excesso de flexibilidade leva a uma carência de limites por parte da criança, que quer e precisa de limites para crescer de maneira sadia. O limite é o corrimão na vida da criança, é onde se apoia nas horas mais difíceis e inseguras. Sem corrimão ela escorrega no primeiro degrau e vai rolando pela vida afora.
Além disso, os pais são os primeiros referenciais do mundo adulto para a criança. Por isso, é extremamente importante para o desenvolvimento da criança que esse modelo esteja fortemente impregnado de imagens de firmeza, de segurança, de determinação, de coerência, de ternura e de autoridade – não confundindo nunca autoridade com autoritarismo.
No momento em que os pais demonstram falta de autoridade, ou de segurança, estão trocando de papéis com a criança, permitindo que ela assuma o controle da situação. Mas a criança não está preparada para ter controle de nada, ela espera que este tipo de postura venha do adulto, seu modelo e parâmetro de conduta.
É essencial que haja uma definição clara de papéis, que a criança se submeta a uma autoridade que lhe dê regras, mostre caminhos, defina limites e cobre resultados. Liberdade, sucesso, fracasso, frustração, responsabilidade e limites são condições essenciais para o crescimento saudável.
Por não ter condições de estabelecer relações entre o que sabe e como usar o que sabe, ela precisa da figura do adulto, que lhe ajude na construção e na confirmação de seus saberes. Ela precisa confrontar suas fantasias com a realidade, e quem referenda e confirma a realidade é o adulto. É dessa forma que saímos da infância e entramos para o mundo adulto. Mas se a criança permanece realizando suas fantasias e desejos indiscriminadamente, não lhe estão permitindo o direito de crescer de modo sadio.
O que mais está por trás de uma crise de birra?
A crise de birra é uma manifestação típica da criança que não aceita a realidade, que não aceita o não, que não sabe lidar com a frustração. Primeiro ela testa a possibilidade, dizendo eu quero. Ao ouvir o não, ela não suporta a realidade e entra em crise.
Mas crianças que têm crises de birra também estão nos enviando uma mensagem muito clara. Elas estão nitidamente dizendo: olhe para mim, me pegue no colo, me abrace, fique comigo. Eu quero colo.
Mas não damos o colo. Compramos roupas, brinquedos, guloseimas, e uma infinidade de inutilidades, que apenas aliviam a nossa culpa, mas não a carência da criança, porque sua carência geralmente é de ordem afetiva e não material. Não sabendo expressar seu real desejo, ela se desespera e entra em crise.
A criança tem necessidade do aconchego do corpo, do carinho, do cheiro da mãe, do toque, da voz, do colo que teve ainda bebê, e que muito provavelmente foi perdido quando a mãe teve que retornar às suas atividades profissionais. Então, ela se viu privada de sua necessidade maior: o colo materno.
E por que não damos colo? Por que não contamos histórias? Por que não temos uma cadeira de balanço no quarto onde ela possa dormir embalada ouvindo uma canção? Por que não rolamos no tapete ? Por que não fazemos guerra de almofadas? Porque nos disseram que isto poderia deixá-la muito mimada.
Mimos são brinquedos. Brincadeiras são afeto. Coisas totalmente distintas. Brincadeira é atenção, é carinho, é amor, é troca de energia, é contato físico, é cheiro, é toque, exige parceria e cumplicidade, é puro prazer. E não custa nada. Faz um bem danado para a criança e é um santo remédio para os pais, que podem aliviar a tensão com a alegria e o contato físico com a criança. Crianças emocionalmente bem supridas raramente têm crises de birra. E pais emocionalmente presentes raramente têm crises de culpa.
Então está combinado, na próxima ida ao shopping, em vez de mais um brinquedo para a coleção, que tal você escolher um livro de histórias, para ser lido no escurinho do quarto, debaixo das cobertas, só você e seu filho.