por Patrícia Gebrim
Em pleno Carnaval sou tomada por este impulso irrefreável de escrever. Lembrei-me de que, quando criança, era apaixonada por sereias. Na verdade, queria ser uma delas, com aqueles longos e lindos cabelos, a cauda prateada capaz de as impulsionar às profundezas do oceano e a voz que encantava os homens a ponto de lançarem-se ao mar.
Mais para frente, na escola, aprendi nas aulas de mitologia que sereias eram seres terríveis, que seduziam e devoravam os homens, aprisionando suas almas por toda a eternidade. Por essa razão, marinheiros amarravam-se aos mastros dos navios para escaparem dessa cruel sina.
Foi um golpe para mim.
– Como assim? Seriam as sereias seres maléficos?
O tempo passou. Sou infinitamente grata por essa afinidade com a escrita, que me permite hoje criar com palavras aquilo que eu bem entenda. Escrever me liberta de uma maneira linda, e hoje, livre, venho aqui para compartilhar o que vejo ao olhar, dentro de mim, para esse símbolo que tanto me encantou na infância.
Acredito que estamos atualmente frente a uma profunda transformação e que, enquanto humanidade, já podemos ir além das conhecidas interpretações do mundo. Podemos ressignificar símbolos, de forma que se tornem doadores de asas a todos nós.
Talvez, até este momento planetário, as sereias fossem mesmo muito ameaçadoras. Representando o nosso feminino, fundido ao oceano primordial, esses seres incríveis nos levavam para as profundezas aquáticas, para um mergulho no espaço mais ameaçador de todos: nosso próprio espaço interno.
Talvez fosse mesmo perigoso, para uma humanidade fadada a viver na superficialidade dos condicionamentos, mergulhar naquele espaço azulado onde pairam verdades, onde os sentimentos mais profundos se enroscam em medos, belezas, fantasias… E tudo aquilo que existe na vastidão do nosso infinito ser. Talvez, até hoje, um mergulho assim tão profundo possa mesmo ser muito assustador. Uma espécie de morte. Sim, algo em nós corre o risco de morrer.
Penso que talvez tenhamos demonizado as sereias por medo de nós mesmos, de nossas profundezas, do nosso canto, da nossa própria voz.
Mas gosto de acreditar que novos tempos se manifestam, e que agora é possível que já estejamos prontos a ir além, para ouvir a canção da sereia que nos habita, correr o risco, enfrentar a morte e descobrir que ao fazê-lo algo maior em nós se liberta.
Talvez possamos parar de temer as sereias e mergulhar, segurando firmemente em suas mãos, de bom grado, guiados por sua sabedoria na direção dos tesouros que nos habitam. Talvez possamos acreditar que as sereias possam nos inspirar a vencer os monstros marinhos que por ventura se escondam em nossas cavernas. Talvez possamos, juntos, chegar ao fundo dos oceanos, para depois ressurgir na superfície, dotados de asas, profundamente mais ricos, mais belos, e mais inteiros. Como as Sirenas, versão mitológica alada das sereias.
Entendam. Somos livres. Cada um escolhe o significado que dá a tudo o que existe.
A despeito das aulas de mitologia, faço as pazes com as sereias, amo-as em profundidade, entrego-me a seu canto e me deixo conduzir a novos mundos, mundos profundos que existem para além desse cotidiano tedioso, feito de mastros rígidos e cheios de farpas. Pulo na água e minha criança sorri dentro de mim.
Aqueles que puderem, ouçam meu canto, e mergulhemos juntos nesse oceano de infinitas possibilidades.
Aos que não puderem, sugiro que se amarrem ao mastro do navio, mas amarrem bem forte, pois o feminino desperta por toda a parte e muito mais sereias hão de cantar com imensa beleza nos dias vindouros!