por Nicole Witek
Neste artigo vamos continuar nossa descoberta dos 8 angas (ferramentas) do yoga – clique aqui e leia artigo anterior.
Estávamos falando do nº 5 : pratyahara ou da absorção interna. Todos nós conhecemos histórias de gênios que parecem voar nas nuvens, a atenção deles está voltada totalmente para dentro e o potencial da atenção está dirigido para as pesquisas dele. Quando essa atenção para dentro é total, posso dizer que estou como a tartaruga, que coloca a cabeça e patas para dentro da carapaça. Não percebo mais o mundo externo.
Esse estado raro, porém completo, é o estado de prathyahara.
Vamos passar então para a prática.
Suponhamos que deseje fazer um exercício de interiorização e imaginar uma linda alvorada. Vou me sentar confortavelmente na minha posição de yoga preferida, a coluna vertebral bem ereta. Sinto o relaxamento do meu corpo, respiro calma e tranquilamente e tento criar minha imagem interior do sol, disco laranja, se elevando acima da linha do horizonte, nas neblinas do amanhecer.
Na maioria dos casos, o que acontece: fechando já os olhos, tentando visualizar o sol, fico distraído pelos numerosos sons do meio ambiente, o cachorro do vizinho, uma buzina na rua, um avião, etc. Quanto mais tento me concentrar no sol, mais os sons, diabolicamente, teimam em entrar nos meus ouvidos e me distrair. Resultado: não consigo me interiorizar. O que fazer?
Brigar contra minha mente não adianta.
O melhor a fazer: vamos nos servir de nossa mente.
Já que os sons me perturbam, muito bem, eles vão se tornar objetos de minha concentração. Com os olhos fechados vou começar a ouvir todos os sons do meio ambiente, identificando todos, mas sem nomear nenhum, como se eu fosse um bebê, que ainda não tem vocabulário à disposição para dar nomes. Se houver um helicóptero, percebo os sons das hélices, mas não vou “falar” na minha mente: “Ah! Está passando um helicóptero”. Para o bebê, é fácil, ele não conhece nem o helicóptero, nem o nome dele.
Mas para mim, isso é uma outra história. É muito difícil ouvir um barulho sem a evocação mental que ele produz na minha mente. Mas tentar, já é fazer o exercício. Depois de um minuto de escuta neutra de todos os sons, passo para a fase seletiva do exercício.
Vou selecionar no meio de todos os sons os mais sutis… Mais sutis ainda… Ainda posso ouvir os outros sons, mais altos, mas eles não me interessam. O que me interessa é encontrar o som mais sutil, mais leve de todos.
Depois de mais ou menos um minuto (sem cronometrar), vou fabricar meu próprio som. Esse para o qual vou voltar ou “atirar” toda minha atenção, os 100% de minha atenção.
Vou respirar em Ujjayi, quero dizer, fechando um pouquinho a glote. Na prática é respirar pelo nariz. Faça uma respiração simples de boca fechada, ela não produz som. Mas se você tencionar um pouco a garganta (como se estivesse fechando um pouco a passagem do ar, ou seja, fechando um pouco a glote) você vai produzir um som diferente e vai poder escutar este som. Faça sempre de boca fechada e respirando pelo nariz.
Assim, graças ao espaço reduzido da passagem do ar na região da garganta, ao contato e a fricção do ar, produzirei um som perfeitamente audível. E é nesse som que vou prestar atenção. Tudo bem, posso ainda assim estar ouvindo os outros sons, mas não presto mais atenção. Minha atenção está voltada para a passagem do ar pela glote.
Mais um minuto e acompanhando cada inspiração e expiração, vou sobrepor ao som real produzido pela respiração, o som “OM” . Vou imaginar que dentro da minha mente esteja cantando o som ou a vibração “OM”. Ainda de olhos fechados.
Agora que o som está ressoando na minha mente, posso evocar a alvorada, e agora estou muito mais confortável para essa evocação. Muito melhor que no início da minha sessão.
Tática sutil!
Por trás dessa prática de yoga tão simples, existem muita astúcia e conhecimentos quanto às leis de funcionamento da mente. No início não conseguia me interiorizar, os sons estavam me atrapalhando. A partir do momento que faço desses sons a base da minha concentração, eles não me perturbam mais. Se por acaso minha mente começasse de novo a vagar, pediria para ela perceber os sons, buscando os mais sutis: os outros sons estão mais ou menos presentes, mas não me perturbem mais.
Gradativamente, crio um som interno com minha respiração e passo a ouvi-lo, percebendo menos e menos os sons concretos do meio ambiente.
Outra etapa: imagino um som com base física, o som da minha respiração, e esse som imaginado se sobrepõe a todos os outros.
Quando os sons concretos desaparecem, o potencial da atenção se libera para a observação interior, essa da alvorada, por exemplo.
A tática é simples e lógica: não brigar contra a mente e obrigá-la a virar as costas ao que a está deixando distraída. Aos poucos os estímulos do mundo externo desaparecem. O potencial de atenção é variável e pode ser aumentado para 100%.
Pratyahara parcial
O estado de pratyahara é um estado flutuante, sujeito a variação. Não existem degraus, não é como subir numa escada. É um processo gradativo, mas que se torna mais ou menos profundo, que fica superficial para depois se aprofundar de novo.
Com treino, conseguimos mais e mais rapidamente desviar nossa atenção do meio ambiente para as imagens internas, que se tornam mais e mais nítidas.
Essas imagens são escolhidas e desejadas, como a da alvorada. Elas não são mais espontâneas e nem mais uma vaga atividade da mente desocupada.
O recolher dos sentidos aliado a uma imagem mental “eficiente” leva ao estado de dharana, o “anga” seguinte do código do “modo de usar” do Patanjali – codificador do yoga clássico.
O anga nº6, dharana, se caracteriza pelo fato de que o adepto está em um estado de pratyahara mas a imagem eficiente ainda não é nem muito nítida, nem estável. Rapidamente ela pode ainda ser substituída por uma imagem-parasita, desviando a atenção.
Se isso acontecer, e se eu perceber que o objeto escolhido sumiu do campo da minha consciência, pedirei à minha mente para recriar a imagem da alvorada. e ela vai criar.
O que é uma imagem eficiente?
É uma imagem que desperte um dinamismo profundo, escondido nas profundezas do meu inconsciente. A imagem da alvorada é eficiente porque a “alvorada” e um arquétipo poderoso. Usando tais imagens é possível condicionar de novo o inconsciente e harmonizá-lo. Uma imagem sem eficiência, por exemplo, seria uma simples carta de baralho.
Outros exercícios?
Um exercício de concentração auditiva é mais simples: com ato de fechar os olhos, liberamos um grande potencial de atenção que normalmente estaria dedicado à visão.
Assim que esse potencial não pode mais ser aplicado, ele estará desviado para um outro sentido: por exemplo, a audição que é o segundo sentido por ordem de importância. Passarei a perceber muito mais sons com os olhos abertos do que com os olhos fechados.
Parece fácil eliminar os estímulos visuais, basta fechar os olhos e até fazer um palming – clique aqui e leia – de alguns minutos, porém é mais difícil isolar-se dos sons externos.
Numa outra oportunidade, proporei outros exercícios.
Gostaria de terminar este artigo mencionando meu guru (1), o Andre Van Lysebeth. Ele foi pioneiro do yoga no ocidente e adepto do Swami Sivananda. As particularidades do Andre eram, sua profissão e seu hobby. Ele era engenheiro de rádio, as ondas eletromagnéticas não tinham segredo para ele, e seu hobby era a hipnose. O seu ensinamento do yoga é totalmente despojado de conotações hinduístas (2) ou vedantina (3) que se encontra nas escolas de yoga por aqui. Os mestres que abriram o yoga para o ocidente eram religiosos. O Andre passou as técnicas em si, não necessitando aderir a qualquer credo para usar essas técnicas. E meu maior prazer em ensinar essas maravilhas do yoga, é transmitir esse conhecimento desvinculado do contexto religioso.
(1) palavra sânscrita para “esse que dissipa as travas”, o ensinante.
(2) Hinduísmo: cultura dominante na Índia baseada na tradição sagrada dos brâmanes, sacerdotes, com base filosófica da tese da identificação do Eu ao Absoluto. A religião mais antiga do planeta, III milênio AC, mais de 905 milhões de fiéis.
(3) Vedanta: Certamente e o filosofia mais influente da Índia. Forma mais ortodoxa de hinduísmo. As ideais metafísicas cujas origens vêm dos textos sagrados dos ” Upanishads” e os “Vedas” que deram o nome a essa vertante.