por Patricia Gebrim
Minha família sempre foi ligada em animais. Quando era criança tive tantos bichos, que mal consigo lembrar de todos. Tivemos peixes (muitos peixes), galinhas, coelhos (Pom-pom e Branquinho,que fugiu para meu desespero de menina), cachorros, tartaruga, papagaio, um veadinho que meu pai encontrou doente no meio da fazenda e acabou morrendo logo, cavalos…
Tivemos até duas lindas vacas holandesas, que meu pai um dia quis que minha mãe levasse pela coleira e que acabaram derrubando-a dentro do rio. (Pai, quem disse que se leva vacas pela coleira?)
Enfim, conviver com essa riqueza toda me ensinou muitas coisas.
Uma delas aprendi quando um dia meu pai chegou com um fofo casal de hamsters em casa. Alguns acham que eles se parecem com ratos, mas para mim eram os “mini coelhinhos” mais fofos do mundo. É verdade que não cheiravam lá muito bem, mas era muito divertido vê-los se exercitando naquela roda que não parava nunca.
Em breve nasceram os primeiros filhotinhos, festejados com alegria por todos nós. Mas, mais rapidamente do que poderíamos imaginar, os bichinhos começaram a se reproduzir e, acreditem, a velocidade era espantosa!
Pegos de surpresa e sem ter tempo para pensar em como lidar com aquela súbita explosão demográfica, em breve a casinha dos hamsters ficou um tanto povoada. Foi quando os “mini coelhos” começaram a brigar…
Nós, a família que morava fora da caixa, percebíamos os ânimos se exaltarem por lá numa onda crescente de agressividade, até que um dia, chocada, percebi que os maiores estavam devorando os filhotes! Nada foi comentado entre nós, até hoje não sei que fim meus pais deram aos bichinhos, que de fofos tinham se transformado em assustadores monstrinhos devoradores de cabeças.
Cotidiano urbano
Imagens como essas povoam a minha mente, lembranças que vez ou outra saltam do nada quando olho ao redor. Hoje, voltando sozinha para casa, em meio àquele mar de carros, me lembrei dos hamsters.
Tentei imaginar que todas aquelas pessoas que pareciam tão irritadas e agressivas ao meu redor (incluindo aquela que me olhava do espelho retrovisor de meu carro!) eram na verdade fofos hamsters momentaneamente enlouquecidos pelas condições a que estavam submetidos. Mas com uma diferença: diferentemente dos animais, que são regidos meramente por seus instintos, principalmente os de sobrevivência, nós temos algo que pode fazer toda a diferença. Temos a capacidade de estar ao mesmo tempo dentro e fora da caixa!
Fiquei repetindo mentalmente o mantra salvador:
– Eu não sou um hamster… Eu não sou um hamster… Eu não sou um hammmmmmsteeeeeerrrrr….
Enquanto humanos, seres pensantes, seres que sentem e que têm almas, podemos perceber o sofrimento de estarmos em meio a essa superpopulação, dentro da caixa. É inevitável o desconforto de sentir aquela irritação toda mas, se nos afastarmos um pouco, como quem olha lá de fora, podemos ter uma uma visão mais distanciada disso tudo e fazer escolhas que tornem aquele momento mais leve e menos agressivo.
Escolhas saudáveis
Com a ajuda de nossa capacidade de compreender o mundo, podemos optar por buscar alternativas mais saudáveis do que simplesmente enlouquecer. Podemos, por exemplo, prestar atenção em nossa respiração, em uma música, criando um estado mais relaxado mesmo em meio ao trânsito (já que não há como evitá-lo). Podemos escolher não retribuir a uma grosseria qualquer, podemos escolher não jogar o carro de forma enlouquecida sobre as pessoas, como se nossa vida dependesse daqueles poucos metros. Talvez possamos até ser criativos o suficiente para, coletivamente, entender o que está nos levando a esse caos e encontrar soluções que mudem essa situação (dificilmente isso acontecerá a curto prazo, eu sei!).
– Você já parou para pensar no porquê você acha que isso está acontecendo?
Bem, o fato é que enquanto ainda tivermos que conviver com as coisas como estão (mudanças levam certo tempo) precisamos ter a capacidade de olhar para nós mesmos como se estivéssemos fora da caixa e nos dar conta da maluquice que acontece lá dentro.
Assim, você que, como eu, talvez resida em uma grande cidade como São Paulo, tem uma tarefa gigantesca pela frente.
Eu sei… não é uma tarefa fácil.
Somos bombardeados o tempo todo, agredidos por inúmeras situações. O barulho nos agride, a poluição, o trânsito, a violência, o ritmo enlouquecido em que todos vivemos. Mas se permitirmos que isso tudo nos roube a alma, em breve nos tornaremos caçadores de cabeças, e a primeira cabeça a ser perdida será a nossa própria!
Eu sei que não é fácil, mas temos que decidir, todos os dias, várias vezes por dia, permanecer em nosso eixo, a despeito dos movimentos enlouquecedores ao nosso redor. Esse é o seu desafio… O meu… O nosso.
Podemos celebrar cada pequena conquista, como celebro agora com você enquanto escrevo este artigo de casa, onde tudo está silencioso e um gato ronrona em meu colo. Este exato momento é uma conquista para mim…
E a sua? Qual é?