por Nicole Witek
Reduzir a prática do yoga simplesmente aos exercícios do corpo significa perder uma dimensão extraordinária, como também, esvaziar o yoga de tudo que constitui sua riqueza, limitando-o a uma ginástica sem sabor.
O grande mote do yoga que faz a diferença com a ginástica é: “Não se separa o corpo do espírito!”
Patanjali, sábio e codificador do yoga, propõe nos o Yoga Sutra um componente chamado pratyahara (retrair os sentidos), que é o mediador entre o trabalho puramente corporal e os estados definidos como “espirituais”.
O sentido do tato é a base de todos os sentidos físicos.
Como assim?
O universo externo é percebido através da captação de frequências: visuais, quando se trata dos olhos; auditivas, quando se trata dos ouvidos e táteis, quando se trata da pele. Esse universo está em permanente movimento: os sentidos captam essas variações com a finalidade de adaptar nossa fisiologia ao mundo externo e proteger nossa existência. Todo o corpo participa dessa percepção. O trabalho corporal do yoga físico é essencial para a conscientização de nossa relação com o mundo, e também para conseguir, por contraste, a abstração do “externo” para voltar ao “interno”.
Manas, a mente reúne o conjunto: espírito e pensamentos
Manas é o mestre do conjunto das possibilidades psíquicas e físicas. Os pensamentos fluem frequentemente. As “impressões”, no sentido de imprimir uma marca, estão modificando permanentemente nossas experiências.
Pratyahara reverte a experiência com o mundo externo, que constantemente modifica nossos estados internos, barra a entrada, e faz-nos voltar da personalidade externa para a natureza essencial: o deslocamento da atenção permitirá mudar o centro da personalidade à individualidade. A personalidade será absorvida pela individualidade, assim o ser físico, com sua personalidade transitória envolvida pelos diferentes eventos do mundo externo, vai encontrar seu centro e modificar seu ponto de visão.
Essa etapa da realização do yoga representa a passagem entre a personalidade externa e sua verdadeira natureza.
Mergulhados nos pensamentos rápidos e fugitivos, nossa capacidade de consciência fica dispersa e enfraquecida. As solicitações externas diminuem nossas possibilidades de discernimento, convencendo-nos que somos apenas seres frágeis, perturbados pelos eventos múltiplos do dia a dia. Com o tempo, essa tendência fica ainda mais aguçada constituindo um obstáculo à meditação. Trata-se de um obstáculo que bloqueia o caminho para se ligar à natureza essencial (klesha em sânscrito).
O antídoto para esse “mal” será centrar as faculdades de concentração juntando toda a nossa capacidade de atenção e de expressão.
Para realizar essa operação, será imprescindível juntar novamente o fluxo de nossa atenção (que no cotidiano fica espalhado entre as milhares de solicitações) para o “enviar” ou “atirar” numa só direção, recuperando, assim, força e energia.
Indriyas
Para obter essa unidade da atenção é preciso controlar os Indriyas, a capacidade sutil de percepção e de ação. Esse controle pode ser realizado dentro de uma postura de yoga: a atenção será alerta, o corpo imobilizado, a mente voltada para o espaço interno.
A respiração, o sopro será o caminho para dentro, como “seguir as setas”. Para o principiante, a respiração consciente é o melhor meio para aquietar a agitação interna.
Vamos praticar juntos
Primeiro passo
O praticante pode deitar-se no chão, com as pernas dobradas, as plantas dos pés perto do quadril. Os olhos fechados e a atenção voltada para o volume interno do peito. Sem nenhum esforço para respirar, a consciência será “atrelada” ao vai e vem da respiração, gostosa e tranquila, como um balanço suave que propicia a calma interior.
Gradativamente, vai encontrar um ritmo mais tranquilo, um aprofundamento ainda mais gostoso.
Segundo passo
Continuar observando a respiração, quando a inspiração tornar-se espontânea, o praticante poderá instalar uma pequena pausa, com os pulmões cheios, e alongar a expiração para que seja um pouco mais comprida. Proceder assim ajuda a eliminar as tensões físicas e psíquicas. Gradativamente o praticante dará um ritmo, contando os tempos, passando de 2 a 3 e 4 tempos, até 5 ou mais tempos, se não houver tensão nem esforço. O tempo todo, a atenção será constante.
Terceiro passo
O praticante fará uma pausa para perceber a qualidade do momento e como a calma se instalou. Durante alguns segundos, ele poderá curtir esse estado. Depois, voltará para o primeiro passo, para fazer todo o procedimento novamente.
Após outra pausa, o praticante fará mais um ciclo do primeiro até o terceiro passo para finalmente abandonar-se ao relaxamento. Nesse estado de atenção voltada totalmente para dentro, poderá experimentar o pratyahara, onde se unem a personalidade e a natureza essencial.
Quais são os benefícios de uma prática regular?
– A diminuição da dispersão da mente e das perdas de energias decorrentes;
– A mente completamente atenta, porém num estado de recepção, ajuda ao repouso do corpo e a energização dos diferentes níveis do ser;
– O estado de recepção passiva da mente ajuda a afinar as percepções internas que se tornam mais sutis ao longo do tempo: sons que vêm das atividades dos órgãos internos, fluxos sanguíneos, nervosos… Um conjunto de percepções que ajudam a incentivar as forças de autocura;
– O treino de estabilidade e neutralidade da mente que permite a aproximação de um estado luminoso interno, difícil de descrever com palavras, que pode ser chamado de serenidade;
– O treino da atenção dos sentidos ajuda a desenvolver a vigilância, permitindo assim, usufruir melhor da vida;
– O pensamento adquire foco e força;
– O discernimento melhora;
– A melhora da escuta para com os outros e para com seus pensamentos, sentimentos e emoções;
– Com o controle dos sentidos e as faculdades de percepção centradas pode-se ascender a estados mais sutis, mais refinados de consciência interna.
Fácil, gostoso e eficiente…