por Thaís Petroff
Vamos imaginar a seguinte situação:
Mariazinha está satisfeita porque alimentou seu cachorrinho com a carne que encontrou na geladeira. Sua satisfação e seu sorriso se vão assim que sua mãe abre a geladeira e começa a gritar: “Maria, você deu a carne do jantar para o cachorro! Você é uma menina muito malvada! Você devia se envergonhar!” Nesse momento, Mariazinha começa a chorar e soluçar. Sua mãe então se acalma e parece até carinhosa. Pensa que ensinou a filha a se arrepender e também a assumir a responsabilidade pelos seus comportamentos. A repetição de situações similares a essa transformam Mariazinha em uma garota boazinha que se sente culpada pelos seus erros.
Durante nossa infância somos ensinados a nos sentir culpados e envergonhados quando cometemos um erro. Passamos a pensar que quando erramos, precisamos ser punidos por isso. A própria culpa já é um modo de autopunição. Aprendemos a confundir responsabilidade com culpa. Desse modo, quando cometemos um erro ou uma omissão, temos a tendência a pensar que basta nos sentirmos muito mal, para assumirmos a responsabilidade.
O que ocorre na prática é o contrário disso. O sentimento de culpa evita que a pessoa se responsabilize verdadeiramente pelo seu erro. Ele acaba permitindo que a pessoa conviva com o erro, já que se pensa que não há o que fazer, apenas sentir-se mal. O erro e a culpa podem assim aos poucos ser associados como parte da própria pessoa. Ela passa a se identificar com o erro e então desenvolver crenças tais como: “eu sou errada”, “eu sou defeituosa”, “sou incapaz” ao invés de pensar: “cometi esse erro, nessa situação específica, diante de tais circunstâncias”.
E ao construir essa percepção impede-se de aprender com o erro e adotar um comportamento diferente no futuro em uma situação semelhante. Dessa maneira, a culpa substitui e paralisa a ação corretiva. O autoconceito da pessoa vai se tornando cada vez mais negativo, sua autoestima cai e sua motivação para agir se esvai – ingredientes muito adequados para criarem uma depressão.
Caixa de e-mails cheia ilustra confusão entre culpa e responsabilidade
Uma analogia para ilustrar a diferença entre culpa e responsabilidade é a caixa de e-mails. Todos os e-mails que chegam ficam na “caixa de entrada”. Se você faz como a maioria das pessoas, você deixa ali todos os e-mails que pedem alguma ação (com o pensamento de “não serem esquecidos”). Isso faz com que a caixa de entrada se transforme, com o passar do tempo, numa pilha de pendências. É bem provável que os e-mails mais antigos dessa pilha peçam uma ação cujo prazo já passou, ou ainda, que não façam mais sentido no momento presente. Esses e-mails não passam agora de lixo. Por que então não movê-los para a “lixeira”? Talvez você responda: “para não esquecer que eu devia fazer aquilo”. O que você acaba por não esquecer é apenas a culpa por não ter feito. Você não deleta o e-mail porque não quer assumir a responsabilidade por não ter feito aquilo. Você tem o direito de não fazer tudo o que lhe pedem.
Muito provavelmente você fez outras coisas mais importantes do que aquilo, no entanto, ainda assim você não se permite esquecer. Aquele e-mail ocupa a sua caixa de entrada, assim como a culpa ocupa a sua mente. E você sofre com cada uma das pendências vencidas que se acumulam. Sente-se oprimido e vítima delas e não tem a coragem de assumir a responsabilidade porque prefere carregar a culpa.
Outro medo comum é achar que, se não sentir mais a culpa, vai cometer o mesmo erro novamente. Se transformar em uma pessoa irresponsável. Essa percepção também gera resistência em se libertar desse sentimento.
A pessoa livre é responsável por seus atos. A responsabilidade é uma escolha que leva a emoções positivas, faz com que a pessoa se perceba como potente, ativa, eliciando a vontade de agir (motivação) e fazendo com que ela se volte para o futuro. A culpa é uma emoção negativa, debilitante, que paralisa e que faz com que a pessoa fique voltada para o passado. Assim a culpa gera passividade, enquanto a responsabilidade gera atividade. Desse modo, a responsabilidade molda o futuro, a culpa prende ao passado.
Culpa é vontade de mudar o passado
O que já está feito não pode ser mudado, desfeito. A culpa é uma vontade de mudar o passado. É uma espécie de desejo do impossível. Daí o sentimento de impotência ou a vontade de fugir para o esquecimento (esquecer aquilo), para a negação de si e da realidade. Quando uma pessoa se responsabiliza por um erro cometido, ela se liberta do passado. O aceita como algo do passado, reconhece a si, aos outros e às situações como imperfeitos (e não ideais) e assim, percebe sua potência para mudar o futuro.
Reconhecer o erro é saudável; assumir a responsabilidade também. Quando fazemos isso podemos tirar algum aprendizado dessa situação, rever a escolha e o comportamentos anterior e planejar alguma estratégia diferente para testarmos no futuro. Desse modo há uma chance maior de acertarmos, do que se nos mantivermos presos à culpa.