Por Angelo Medina
Não existe nada mais zen do que fazer meditação ou yoga para buscar um estado tranqüilo e desperto ou, quem sabe, até o nirvana. Porém, a arte do movimento pode ser a grande saída para adquirir um estado zen.
É nessa onda, que entra em ação o Caminho do Samurai e suas artes marciais. Nesta entrevista ao Vya Estelar, a escritora Vera Sugai, autora do livro, o Caminho do Guerreiro(Editora Gente), explica como as artes marciais contribuem para o equilíbrio físico, mental, emocional e espiritual. Mostra como adquirir o autoconhecimento e o autodomínio. Conheça o autêntico Caminho do Samurai e saiba porque as artes marciais podem ajudar na sua vida afetiva e sexual.
Vya Estelar – De que forma as artes marciais contribuem para o equilíbrio físico, mental, emocional e espiritual?
Vera Sugai – A ansiedade diminui com a prática dessas artes. As artes marciais são artes de contato (físico). As pessoas frente a frente, uma esperando a resposta da outra. Cada um querendo defender e conquistar o seu espaço. Isto é um repeteco da vida. No contato com a arte marcial, você sai da indecisão e parte para a realização.
Instinto animal
O tete a tete faz o instintual vir à tona, por mais “delicado” que você seja. Você começa a perceber, através do tempo e da prática, que boa parte dos problemas que você tem no dia-a-dia, são imaginários. Com isto você adquire um estado de transcendência.
Vya Estelar – De que forma as artes marciais ajudam a desenvolver a autoconfiança e a realização?
Vera Sugai – Você adquire esta autoconfiança porque você sai do ato de simplesmente pensar. Você vivencia no tatame, de forma concreta, as situações da vida. Você está concretizando acertos e erros através do ato de cair e de levantar. Com a experiência, você acaba caindo bem melhor e reproduz isto na sua vida, se recuperando com mais rapidez dos duros golpes da vida e errando menos é claro.
Vya Estelar – Por que foi escolhido o judô como arte para o equilíbrio interno?
Vera – Por volta de 1880, o japonês Jigoro Kano tirou os golpes mortais do Jiu-Jitsu e fundou o Judô. A grande diferença entre o velho Jiu-Jitsu e o Judô é a elevação da arte marcial para o caminho do autoconhecimento. A preocupação de Jigoro era com a educação corporal.
Hoje em dia
Nos dias de hoje pensa-se muito na educação intelectual. Porém, o afeto e as emoções são expressos pelo corpo. As pessoas normalmente possuem mãos pesadas, gestos duros, pesados e pouca sofisticação em termos de movimento, porque não conhecem o próprio corpo.
Judô X Sexo
Isto reflete na questão mental, espiritual e sexual. As pessoas acabam transando mal porque pouco conhecem do próprio corpo.
Judô = o caminho da delicadeza
O judô é uma luta que exige muito coordenação motora e um bom repertório de movimentos. Isto reflete no seu trabalho mental. Você tem que pensar rapidamente e se antecipar ao movimento que o seu oponente vai realizar. Através da prática, de métodos de ataque e defesa, ou do treino do corpo para o cultivo da mente, podemos dominar o princípio ou essência desta arte, que é o caminho da delicadeza, ou o princípio de todas as artes e da própria vida.
Vya Estelar – Este princípio filosófico difere totalmente do judô esportivo?
Vera – Não tenho nada contra o judô esportivo ou o judô praticado nas olimpíadas, mas ali o objetivo de dominar o oponente e ganhar uma medalha está na frente da arte do movimento sincronizado, que uma luta como o judô possibilita.
Vya Estelar – Qual é a relação do Xintoísmo com as artes marciais?
Vera – O Xintoísmo é a religião nativa do Japão. A tradução desta palavra é “O Caminho dos Deuses”. O Budismo o Taoísmo e o Confuncionismo, junto com o Xintoísmo, formam o zen. Uma palavra japonesa que significa meditação. E meditação, refere-se a um grau de consciência elevado, um estado de ser íntegro, da transcendência e elevação do espírito, num estado tranqüilo e desperto. Não só o judô mas como todas artes marciais dô (caminho) têm o objetivo de trabalhar o zen, como o Aikidô por exemplo.
Correntes
Taoísmo – Tao originalmente significa “o Caminho”. É o caminho do Universo. Buscando através das polaridades Yin (o nebuloso e sombrio) e Yang (o que brilha ou o luminoso) a solução dos conflitos.
Confucionismo – Doutrina de Confúcio nascido na China em 551 a.C, é uma filosofia de natureza não religiosa. É um sistema de cunho moral, político e social mostrando a razão do viver individual e social; tendo como base a família.
Budismo – Doutrina filosófica da Índia fundada por Buda nascido em 563 a.C e constituída por dois grandes instrumentos o Prajna – sabedoria transcendental ou inteligência intuitiva – e o Kuruna – o amor e a compaixão; com objetivo de buscar sabedoria iluminada ou a verdade.
Vya Estelar – Como é esta relação do zen com as artes marciais e a vida pessoal?
Vera – A arte “dô” (caminho) te leva a transcendência do ego. Quando você está no tatame você está sujeito a reações extremas em função de como te tocam e te empurram. Você aprende com o Judô a transcender este estado de irritação aplicando de forma “gentil” um golpe, não partindo para a porrada.
Amantes
Na hora da aplicação do golpe, os oponentes estão bem próximos. A luta, enquanto arte marcial, se traduz através de movimentos sincronizados e redondos como num amplexo amoroso de dois amantes.
Vya Estelar – Como adquirir autodomínio e autoconhecimento pelas artes marciais?
Vera – Neste território das ilusões achamos que o inferno são os outros, como disse Sartre. Com o Judô, ou qualquer arte “dô”, você trabalha e testa os seus limites. Você pensa em situações criativas para resolver as frustrações. Você aprende a ser feliz e isto é um treino de autodomínio. Através do autoconhecimento você adquire o autodomínio. Na luta você aprende a cair e a se defender.
Falling love
Em inglês o termo usado para dizer que estamos apaixonados é falling love. Ná prática as pessoas temem o amor, porque temem a queda. Nas artes marciais zen você aprende a cair. A cair bonito. Quanto melhor você “cai” mais rapidamente você se recupera.
Vya Estelar – Qual a diferença entre o Judô masculino e o feminino?
Vera – O judô feminino é o verdadeiro Judô, porque é delicado. As mulheres fazem o katá, ou seja, as formas ou movimentos criados para corrigir os maus hábitos do nosso movimentar, de uma forma ideal. Já os homens são mais “abrutalhados”.
Vya Estelar – Qual é o Caminho do Guerreiro?
O Caminho do Guerreiro ou o Bushido
Trata-se do caminho do samurai.
Não tenho pais, faço do céu e da terra os meus pais.
Não tenho lar, faço do Saika Tanden* – sede do meu espírito.
Não tenho poder divino, faço da honestidade o meu poder.
Não tenho meios, faço da docilidade meus meios.
Não tenho poder mágico, faça da minha força interior a minha magia.
Não tenho vida nem morte, faço do OM* a minha existência, minha vida e minha morte.
Não tenho corpo, faço da coragem o meu corpo.
Não tenho olhos, onde está a luz estão os meus olhos.
Não tenho ouvidos, faço da minha sensibilidade a minha audição.
Não tenho membros, os faço da prontidão dos meus movimentos.
Não tenho leis, faço da autoproteção a minha lei.
Não tenho estratégias, faço do acaso os meus propósitos.
Não tenho forma, faço da astúcia a minha forma.
Não tenho princípios faço da adaptabilidade os meus princípios.
Não tenho milagres. Faço da justiça meus milagres.
Não tenho táticas. Faço da rapidez minha tática.
Não tenho amigos. Faço da minha mente meus amigos.
Não tenho inimigos, faço da imprudência meu inimigo.
Não tenho armaduras. Faço da benevolência e retidão a minha armadura.
Não tenho castelo, faço da mente imóvel, o Grande Espírito, o meu castelo.
Não tenho arma, faço do sonho – onde fica o além dos pensamentos – a minha espada.(Severino R.1988, pág 124)
OM – pronuncia-se AUM, é o mantra que representa o som primordial do Universo.
Tanden – é no nosso corpo, o ponto de união entre o Céu e a Terra. Situado a 5 cm abaixo do umbigo e a Sede da Energia Ancestral, é o ponto de distribuição de nossa energia vital.
Vya Estelar – Como deverá ser o perfil do homem do terceiro milênio?
Vera – O homem do terceiro milênio será um homem mais que inteligente e sim um homem sábio. Entenda-se que sabedoria vem de sabor. Um homem que seja capaz de enxergar sentimentos, emoções e não ficar tão escravo da auto-imagem, da ultra-valorização do corpo e da aparência em geral. O desenvolvimento humano irá superar o desenvolvimento tecnológico, que hoje está na frente. O Caminho do Samurai é o caminho do futuro ancorado nos ideais humanos de sabedoria e justiça.