Por Sandra Midori Kuwahara Sasaki
Eu gostava de observar minha avó materna cuidando das coisas… ela tinha uma coleção de orquídeas, e todas as flores da casa pareciam dialogar com ela o tempo todo. Olhava sua pele enrugada, as manchas de sol em seu rosto, seus cabelos brancos e seu sorriso doce, e admirava toda a história que ela carregava em seu peito. Ser uma mulher japonesa que viveu no Japão no período entre guerras deixou marcas que o tempo não apaga. Mas havia uma força no olhar amoroso da minha avó. Uma força que não era física, não era agressiva, era uma força de alma. Uma alma que sobreviveu a muitas guerras, mas manteve a delicadeza e o amor do feminino em si mesma.
A força silenciosa do feminino pode ser notada sutilmente em pequenos detalhes em diferentes culturas. Harriet Rubin no livro “A princesa: Maquiavel para mulheres” tenta-nos mostrar como a mulher pode usar seus atributos femininos para lidar com o mundo sem perder a sua essência. Rubin cita, por exemplo, a história de Sojourner Truth, a escrava que comprou a própria liberdade no final da Guerra Civil dos Estados Unidos:
“Uma noite, quando ia proferir uma palestra, defrontou-se com uma multidão enfurecida. Ela poderia correr e esconder-se, ou tentar argumentar com os adversários. Se corresse, sua demonstração de medo apenas incitaria o ódio deles e tornaria o ataque ainda mais cruel. Se os enfrentasse com um dos seus discursos sensatos, estaria falando uma língua estranha. […] Assim, ela fez o inesperado. Caminhou bem à vista da toda a multidão e começou a cantar com toda a força de sua voz. Os soldados ficaram apavorados. Eles não haviam sido treinados para defender-se de um canto. Eles pararam e escutaram. E enquanto escutavam, tornaram-se mais brandos. E a medida que se tornavam mais brandos, se convenciam do que ela tinha a dizer. “Cante mais irmã”, eles pediam. “Conte-nos sobre sua vida.”
Onde está o feminino nos dias de hoje? Onde está o feminino sensível que deveria cuidar amorosamente do mundo?
Preocupo-me há tempos com este tema, pois a cada dia, mais e mais mulheres procuram uma reconexão com este feminino perdido em si mesmas. Edward Whitmont em seu livro “O Retorno da Deusa”, nos mostra que o feminino está retornando com mais força, e a era patriarcal parece estar se esgotando. Mas como as mulheres estão se preparando para essa nova era?
Depois de tanto tempo dominadas pelo poder patriarcal, as mulheres estão muito feridas. A ferida lateja a cada gesto ou palavra que as diminuam. A sensibilidade ficou sufocada pela dor. E hoje, vemos muitas mulheres com medo de expressar o seu lado mais doce e amoroso. Whitmont nos diz: “É evidente que as energias contidas tenham se transformado num ódio depressivo por si mesmas, ou num ressentimento contra o mundo dos homens, e numa imitação competitiva do comportamento masculino”.
O que é importante no tema trazido por Whitmont é a forma como ele sugere que a nova mulher renasça depois de tanto tempo reprimida: “a feminilidade não pode limitar-se à receptividade, à passividade e a função maternal. Cabe-lhe descobrir e expressar suas capacidade ativa, iniciadora, criativa, transformadora […] e aceitar que sua natureza é diferente da natureza dos homens, em vez de imita-los, identificar-se e competir com eles.”
Portanto, tenha consciência da natureza que integra a sua existência. A nudez da alma pode mostrar a coragem que vibra em seu peito, e assim sua voz irá ressoar com mais amor e dignidade. Não tenha medo… as características do feminino podem transformar a humanidade, expressando e transformando delicadamente a natureza que existe em nós.
Bolen, Jean Shinoda. O Milionésimo Circulo: como transformar a nos mesmas e ao mundo. Um guia para círculos de mulheres. São Paulo, TRIOM, 2003.
Rubin, Harriet. A Princesa: Maquiavel para mulheres. Rio de Janeiro, Editora Campus, 1997.
Whitmont, Edward C. . O retorno da Deusa. São Paulo, Summus, 1991.