Por Roberto Goldkorn
Há alguns anos fiz uma palestra em Lisboa. Uma amiga que estava presente me relatou o seguinte diálogo que teve logo após a palestra com uma conhecida terapeuta que também foi assistir.
– Amiga: Gostou da palestra?
– Terapeuta: Ele é muito vaidoso.
– Amiga: Mas e a palestra. O que achou?
– Terapeuta: Achei ele muito vaidoso.
– Amiga: Mas não gostaste da palestra então?
– Terapeuta: Não disse isso, só disse que ele é muito vaidoso.
Esse diálogo insólito rendeu boas risadas mais tarde, regado a muito vinho e o calor da boa gente portuguesa. Mas eu nunca me esqueci disso. A pergunta então é: Até que ponto a vaidade pode ser perniciosa, pode ser uma fraqueza? Às vezes me surpreendo com rapazes que investiram na musculação e ganharam bíceps, saindo a rua no mais rigoroso inverno de camiseta regata. Para quê? Para exibir os músculos conquistados com tanto sacrifício, mesmo que isso custasse um resfriado ou o desconforto do frio. A menina que acabou de fazer uma tatuagem foi à festa com uma roupa inadequada, mas o que importa, se podia desfilar a tatuagem tão desejada?
A vaidade é um programa quase universal, pode ser encontrado em praticamente todas as culturas e tempos, sob as mais diferentes manifestações externas. Mas a vaidade pode ser uma cilada das mais perigosas se entorpecer o ego aponto de fazer o indivíduo perder a noção do perigo, do ridículo ou da realidade.
Uma cliente jovem e muito bonita está lutando contra a armadilha da vaidade para tentar re-escrever a sua história pessoal e sentimental. Explico. Descobrimos que ela traz um programa cármico de utilizar seus atributos físicos para atrair a atenção e as benesses masculinas. Mas a velhice ou a doença interrompeu essa trajetória, e sem ter desenvolvido uma profissão, um estudo, ou ter salvado economias para tempos difíceis, ela perdeu tudo, e passou uma velhice miserável. Na atual existência ela continua bonita e atraente, mas a idade está chegando e ela não conseguiu nem estabilidade financeira, nem sentimental. A conclusão é que o tipo de homem que ela atrai, é o predador. Ao invés de serem atraídos pela sua cabeça criativa e brilhante, pelo seu coração afetuoso, eles são atraídos pelos seios exuberantes e pela sensualidade explícita.
De certa forma ela está repetindo de maneira empobrecida o programa cármico que vai acabar mal. Quando tentamos montar um esquema para mudar o script, esbarramos na armadilha da vaidade. Ela não se imaginava sem os decotes chamativos, nem com as calças justíssimas que realçam seu bum bum. Mesmo explicando que não precisava se esconder e sim não atrair a atenção para atributos físicos em primeiro lugar, ela hesitava. Mas a luta continua, vamos aguardar os próximos capítulos.
A vaidade é uma armadilha perigosa quando nos aprisiona em programas limitadores. A vaidade é uma armadilha perigosa quando nos identificamos com esses atributos sejam eles os seios, um rosto bonito, ou um carro esporte importado. Essa identificação é aprisionante, ela congela as emoções naquela relação como se fossem durar para sempre. E assim como os seios murcham, a beleza fenece, o carro pode ser roubado ou ter de ser vendido para pagar dívidas. Como diria o poeta Cazuza, o tempo não pára e tudo que nos algema a atributos materiais pode ser uma cilada para à nossa felicidade e evolução espiritual.
Esse é o dilema da raposa, famosa na floresta pela sua belíssima cauda. Quando ficou presa numa armadilha justamente pela cauda, colocou-se o dilema. A sua única salvação seria cortar a cauda com os dentes e livrar o corpo. Mas valeria a pena viver sem o seu atributo mais importante? Seria a mesma sem a cauda? É tão importante assim sobreviver sem o prazer de poder ostentar a beleza pelas ruas e avenidas da floresta? É claro que esse é um dilema das raposas da vida, que se casaram de forma indissolúvel com as suas caudas. Mas o que se espera de nós seres dispostos a evoluir? O que se espera de nós seres com centelha divina (às vezes quase apagadas, mas ainda assim centelha e ainda assim divina)?
O que se espera de nós é que usemos a Inteligência que nos aproxima da nossa herança espiritual e nos aparta de nossas raízes animais. A vaidade extrema aprisiona dos dois lados, assim como o fez com a minha terapeuta portuguesa que em duas horas de palestra só viu e só ouviu a “minha vaidade”. A vaidade não faz mal se dela tivermos consciência, e tendo consciência mantê-la dentro dos limites de nossa autocrítica. Se a contivermos dentro dos limites de nossa autocrítica, poderemos rir dela, não levá-la (e a nós mesmos) tão a sério.
Assim vamos nós, vaidosos sim, mas sempre com a esperança de que saibamos cortar a própria cauda em benefício da Vida.