por Roberto Goldkorn
Em uma novela atual (estamos no outono de 2015) um rapaz convive com o dilema de ser ateu e estar apaixonado por uma moça pertencente a uma família muito religiosa, cujo pai é um político corrupto. Ele foi escorraçado da casa dela quando manifestou sua posição de descrente. O tema do ateísmo tem sido cada vez mais comum na pauta social, com os ateus se organizando de forma militante, saindo do armário como se diz.
Convivo com ateus que me oferecem seu sorriso mais irônico, porque sentem cheiro de religiosidade quando ainda falo de Deus, e convivo com religiosos que oscilam entre o desejo de me converter na marra e o "dó de mim", como se eu fosse uma alma perdida.
Embora não compartilhe as (des)crenças de ateus ou agnósticos, lhes dou as boas-vindas, porque a sua simples presença, a simples manifestação pública de suas ideias sem que isso lhes acarrete a morte na fogueira ou a estigmatização social, já é um imenso avanço.
Recentemente um político brasileiro (Fernando Henrique Cardoso) que mais tarde veio a se tornar presidente perdeu as eleições numa grande cidade, porque seus adversários políticos espalharam o "boato" de que ele não acreditava em Deus! Na cabeça de muita gente não acreditar em Deus é mais ou menos algo como acreditar no diabo ou ser a própria manifestação do chifrudo, do coisa ruim, do maligno etc.
A ignorância geral alimentada por séculos de doutrinação religiosa, criou um monstrengo de inversão de valores brutal que lobotomizou milhões de pessoas impedindo-as de ver a Luz, de raciocinar e exercer o bom senso. Acreditar em Deus passou a ser a senha para o clube dos "corretos" da mesma forma que num passado nem tão distante "ser temente a Deus" era essa senha. Acreditava-se no deus cristão por várias razões; entre elas "preservar a própria vida" era das principais. Hereges foram queimados, judeus foram mortos e perseguidos pelo crime de "judaísmo" numa inversão brutal da própria história do cristianismo que foi criada por judeus e no princípio para judeus.
Assim é muito salutar ver os ateus andando livremente por aí e brigando para corrigir contradições de um estado laico que ainda ensina "religião" em suas escolas, sendo que a "religião" é a católica, e não o budismo, nem o judaísmo, muito menos o islamismo ou o candomblé.
De todos os direitos individuais o de não acreditar em Deus, ou mais precisamente no Deus cristão, é o que mais se reluta em ser concedido, pela simples razão de que nunca foi cassado oficialmente, tudo permaneceu na sombra, nas entrelinhas.
Nascemos assistindo a julgamentos onde testemunhas e réus juram com a mão sobre a … Bíblia e os juízes de direito costumam ter sobre as suas cabeças um crucifixo com ou sem Cristo crucificado, os crucifixos estão nas escolas, nos quartos de hotéis, nas repartições públicas etc.
Parece uma enorme conspiração autogerada para manter mesmo que superficialmente os valores de uma religião que deixou de ser a religião de Estado, para ser a escolha pessoal das pessoas desse Estado.
Os ateus militantes, aqueles que tiveram a coragem de sair do armário, colocam o dedo em todas essas contradições e abusos, e estão crescendo em número e poder. Pode ser que eu me engane, mas pela teoria do pêndulo, que mostra a História como indo e retornando para depois voltar novamente (e em seguida ir de novo) não me espantaria se daqui a cinquenta anos os ateus chegassem ao poder (não no bojo de uma ideologia comunista materialista dialética) e começarem a nos impor a sua negação absoluta de Deus.
Minha pinimba com os religiosos é exatamente a mesma com os ateus: Ambos se creem detentores da Verdade e ponto. Quando discuto com ateus ouço frequentemente a frase: "Deus não existe. Se existiu algum dia morreu." Aí faço a minha pergunta fatal: Pode provar essa sua afirmação?
Para os mais dialogáveis ainda tento mostrar que eu também não acredito nos deuses das religiões tradicionais, mas apenas não acredito, e nunca afirmo que não existem, essa afirmação é tola, e desprovida de qualquer sustentação filosófica, ou científica. Como disse o Carl Sagam – físico, astrofísico de reputação inquestionável para os amantes do cientificismo: "a ausência de evidência não é evidência da ausência."
Não acreditar em Deus é o mesmo que acreditar nos deuses do catolicismo, islamismo ou do judaísmo. Não faz diferença. No fundo tudo se resume a Fé, em escolher em quem acreditar, tomar partido.
Ainda não aprendemos que acreditar em Deus não é garantia de produzir uma pessoa do bem, digna e geradora de saúde social. Um dia talvez viveremos em uma sociedade em que a religião será religiosidade pessoal, não alimentará impérios e exércitos de intermediários. Mas também abrigará os ateus e cia que poderão andar livremente pelas ruas sem medo de ostentar sua finitude conformada.
Não tenho tanta certeza sobre esse futuro, mas creio que até por uma questão de economia não se matará mais por motivos religiosos, não se discriminará por motivos religiosos, e nossos descendentes irão olhar para nós com perplexidade, e pensarão: "Como puderam?"