por Renato Miranda
Frequentemente pessoas me perguntam sobre acontecimentos que envolvem atletas de futebol profissional fora dos gramados. Jogadores famosos, talentosos e com sucessos reconhecidos pela mídia, torcedores e órgãos internacionais do esporte como a FIFA, por vezes, são objetos de de discussões a respeito da vida noturna ('baladas') e fatos relacionados a esta: bebida, mulheres, supressão de sono e outros.
Em todos os casos divulgados pela mídia a questão central é se na vida pessoal do atleta e em suas horas de folga é pertinente fazer tudo que se queira, como beber, dormir tarde, etc. Ou se, por outro lado, ter uma vida regrada e limitada socialmente é recomendado.
Alguns atletas se gabam quando contam suas 'escapadas' e aventuras noturnas e afirmam que nada disso prejudica seus desempenhos. Além disso, quando algum imprevisto acontece nessas horas (por exemplo, punição do clube ou desgaste da imagem pessoal pela mídia), esses mesmos atletas afirmam que têm o direito de fazer o que quiserem em suas horas de folga.
Minha opinião a respeito dessa situação muito freqüente hoje em dia, não se restringe àquilo que é certo ou errado ou se é de direito do atleta ou não fazer o que bem entende em sua vida privada. Minha abordagem é a respeito das relações psicofísicas do comportamento humano e o desempenho atlético. Em outras palavras: proteção da saúde física, desempenho esportivo, amadurecimento pessoal, preparação mental, modelo de comportamento social desejável e valor do esporte para formar gerações de atletas e pessoas melhores em todos os sentidos possíveis.
Portanto, em minha opinião não resta dúvidas: atletas em formação, amadores ou profissionais não deveriam participar das ditas 'baladas' e sim, se preservarem o máximo possível, pois, o desempenho esportivo está intimamente ligado com o estado físico e psicológico do atleta. Assim sendo, descanso e conservação de uma rotina social amena são pré-requisitos essenciais na vida esportiva que visa níveis superiores de rendimento.
Rigor, alto padrão e competição
De princípio, pode parecer muito rigor. No entanto, se formos observarmos o mundo ao lado do esporte competitivo, veremos que em todo setor da vida em que desempenhos de alto padrão são esperados de pessoas de alta qualidade, essas mesmo acabam por ter, digamos, uma vida mais limitada em termos sociais e distantes de determinados “exageros”, como ficar na noite até altas horas e muitas das vezes, animada pelo álcool. Portanto, tal como atletas, professores, médicos, jornalistas, aeronautas, pesquisadores e outros tantos profissionais, precisam de seus corpos e mentes sempre em ótimo estado, prontos a atenderem a demanda da sociedade e suas próprias expectativas.
Por outro lado, no caso de atletas profissionais, fama, dinheiro, reconhecimento e influência exigem uma contrapartida natural em relação ao comportamento social. Chega ser certa imaturidade, aquele atleta que quer usufruir de tudo isso e além do mais querer ter uma vida social como qualquer assalariado e cidadão desconhecido. A fama e o dinheiro impõem administração e aceitação de certos sacrifícios, um deles é não poder aproveitar as vantagens de ser desconhecido pela multidão.
Ser livre é ser limitado
Por todas essas circunstâncias, aquele que escolhe o esporte como atividade e/ou carreira deveria aprender desde cedo que se quer praticá-lo intensamente pode preparar-se para viver uma rotina de limitações e certo isolamento.
E isso também não é difícil explicar: basta entender que ser livre é ser limitado. Parece um paradoxo, mas na verdade não é, pois, a partir do momento que eu tenho a total liberdade de escolher a minha profissão ao fazê-lo, coloco limites em minha vida.
Portanto, quando eu aceito os limites da vida que eu próprio escolhi (livremente!), eu consigo viver com mais liberdade. Para tanto, o exercício da autodisciplina é fundamental para vivenciar esse sofisticado “jogo” da vida. Caso contrário, se a pessoa partir do princípio que pode fazer tudo o que quiser sem considerar os limites daquilo que ela própria escolheu (em nosso caso, uma profissão), então viverá em permanentes conflitos internos e sociais, em um processo desgastante e ao mesmo tempo inútil, pois sempre estará insegura e/ou insatisfeita.
'Bad boy' e mentiras
Alguns atletas, depois de ganhar fama e muito dinheiro afirmam que a vida noturna, a bebida e tudo o mais, não o prejudicaram em nada. No entanto, nunca escutei um atleta em formação ou batalhando para ser alguém na vida dizer o mesmo. Na verdade, acredito que esse é um discurso para angariar certa imagem de rebelde, onipotência ou simplesmente mostrar que pode ser diferente. E em alguns casos, esses mesmos atletas famosos, agem como adolescentes imaturos e inventam certas “aventuras” que possivelmente nunca aconteceram. Ademais, atletas que julgam não serem prejudicados por comportamentos sociais incompatíveis não percebem que poderiam obter muito mais sucesso e glória se se comportassem como atletas de fato.
Além de tudo isso, a questão do compromisso social é muito séria. Atletas, admitindo ou não, sempre serão modelos para as crianças e adolescentes em formação. Embora, alguns atletas façam questão de afirmar que não querem ser modelos de nada. Na verdade, aceitar essa situação é um dever social do atleta que em contrapartida recebe uma remuneração, que é inimaginável pela maioria da população. Em outras palavras, é um retorno que o atleta dá principalmente aos jovens.
Alguém pode dizer: mas o atleta tem que ter um comportamento social irretocável? Não pode cometer deslizes como qualquer um? Não é bem assim, claro. Muito pelo contrário, é simplesmente saber que a atividade esportiva é incompatível com a vida noturna e que atletas famosos e endinheirados podem perfeitamente ter uma vida mais recatada sem muitos sacrifícios. Afinal de contas, ser famoso e rico e ainda por cima querer viver socialmente como o “João” da esquina é demais, não é mesmo?
A conscientização de que a vida esportiva impõe naturalmente certos limites na vida, principalmente sociais, é adquirida a partir do esporte infanto-juvenil, quando noções de desenvolvimento próprio, saúde, desempenho e ética são aprendidos com técnicos e professores de alta qualidade profissional e pessoal. Se não for assim, possivelmente vamos escutar por algum tempo muitas tolices a respeito de comportamento atlético fora do esporte.