Da Redação
Pesquisa propõe oferecer um espaço que permita que sujeitos produzam algo que expresse sua identidade e sofrimento por meio da música
Artigo publicado na revista Psicologia USP relata um tratamento inovador criado para crianças autistas, partindo da experiência de um projeto de extensão universitário ligado à rede de saúde mental e a um serviço de psicologia na Universidade Federal do Ceará.
A proposta é oferecer um espaço que permita às crianças, como sujeitos, produzirem algo que expresse sua identidade e sofrimento por meio da música, “bem como outras ferramentas que as auxiliem na construção de laços e maior interação com os outros”. Os benefícios e as contribuições da música são compartilhados pelos autores do estudo, que nos contam a experiência dos profissionais envolvidos neste trabalho.
Lalíngua
Antes que a criança adquira a linguagem falada, o que se faz presente na relação entre o bebê e a mãe é uma manifestação desvinculada da dimensão do sentido, chamada lalíngua, “composta de sons não articulados e balbucios”. A lalíngua não está ligada ao campo do significado, mas tem seu efeito a partir da musicalidade que se reflete no corpo da criança e “produz afetos”. Segundo o psicanalista Jacques Lacan, criador do conceito, a lalíngua é “transmitida pela voz materna”, que traduz o entendimento da “relação primordial entre o sujeito e o Outro, especialmente no autismo” e mostra esse conceito e a relação com a música, na investigação de “possíveis contribuições à prática com sujeitos autistas”.
O artigo relata experiências na clínica psicanalítica que comprovam a eficácia do contato com as extensões musicais – ritmo, timbre e volume que estão presentes na “relação primordial do sujeito com o Outro, especialmente no autismo, trazendo elementos marcantes à própria constituição do sujeito”.
Os sujeitos autistas se interessam por música e podem expressar esse interesse por intermédio da lalíngua, “revelando efeitos até mesmo na interação destes com as outras pessoas”. Quando os autores se referem à música, levam em conta suas “qualidades específicas”: altura, intensidade e timbre, diferentemente do ruído. Assim, a criança que ainda não fala “já percebeu que a linguagem significa, a voz da mãe […] é pura música”.
“Os sons relacionados entre si saem do campo do puro ruído para a musicalidade.” E, de acordo com o estudo, a música permite uma elaboração subjetiva do sujeito, que assim é capaz de revelar elementos de sua própria história: “Independentemente do sentido, tal como no sonho, o sujeito pode escrever na sonoridade a sua presença”. Aí se encontra a brecha de acesso ao tratamento dos sujeitos autistas e, destes, com o Outro, que se estabelece pela lalíngua.
VIANA, Beatriz Alves et al. A dimensão musical de lalíngua e seus efeitos na prática com crianças autistas. Psicologia USP, São Paulo, v. 28, n. 3, p. 337-345, dez. 2017. ISSN: 1678-5177. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0103-656420170011. Disponível em: . Acesso em: 16 jan. 2018.
Fonte: Margareth Artur/Portal de Revistas da USP