Autoconhecimento, responsabilidade e religião; entenda essa relação     

Temos autoconhecimento e responsabilidade suficientes para enfrentar a realidade com maturidade? A religião, através dos deuses, só projeta, idealiza ou cristaliza o que sonhamos ser? Afinal, onde está a Verdade? Ela está dentro ou fora de você?

A religião, qualquer que seja ela, é uma questão de responsabilidade.

Há uma certa versão materialista sobre a religião que diz que ela não passa de uma projeção humana. Isso quer dizer que os deuses são desejos humanos idealizados como entidades perfeitas. Eles seriam uma espécie de cristalização daquilo que sonhamos ser, mas que infelizmente não somos. Desse ponto de vista, é como se nós, humanos, não fôssemos capazes de encarar as coisas reais como elas são e, por isso, necessitássemos de intermediários fictícios para lidar com nossas frustrações, aspirações etc.

Autoconhecimento e responsabilidade: somos capazes de enfrentar a realidade?

Claro que isso só faz sentido se reconhecermos que não somos capazes de enfrentar a realidade como ela é, que não temos maturidade ou coragem de viver como se deveria. Assim, a religião funcionaria como um subterfúgio, como uma cortina colorida que jogamos sobre a dureza do mundo, de tal maneira que ela possa adquirir um sentido possível. O que estaria por trás da religião seria nossa falta de capacidade de nos tornarmos efetivamente responsáveis pelo peso da existência.

Há nessa versão da religião uma compreensão do ser humano como imaturo, como incapaz de enfrentar o mundo como ele é. Com isso se afirma uma certa infantilidade e, por isso, de falta de responsabilidade na condução da própria vida – já que ela teria que ser ornamentada com deuses fictícios para se tornar viável.

Mas isso também envolve um projeto de amadurecimento, um processo desejável de eliminar essa cortina de ilusões e, finalmente, ver as coisas como elas realmente são. Podemos dizer que essa leitura materialista da religião nos impulsiona a nos tornarmos responsáveis pela nossa situação existencial e pela condução de nossas próprias vidas sem meias medidas.
Podemos pensar, então, como seria uma vida plenamente responsável, caso esse projeto se realizasse. Sem um mundo transcendente, sem nada além de nós mesmos, mas com a realidade das coisas sendo experimentada crua e diretamente.

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Como poderia ser a vida dos homens sem a cortina de ilusões que tecemos sobre a realidade?

Claro que aqui só podemos fazer conjecturas, já que se trata de uma mera hipótese. O que me parece óbvio é que não seríamos responsáveis, seríamos solitários. Pode parecer, a princípio, que encarar as coisas como elas são, é um gesto de responsabilidade com a vida. Mas ninguém está realmente sozinho, isolado do restante do universo físico – pelo menos. Então, o que poderia parecer responsabilidade, assumir a minha realidade imediata como a realidade toda é, para dizer o mínimo, irresponsável.

O ponto de vista de quem assume que tudo o que importa é o que lhe afeta diretamente, que só há o que lhe aparece, não pode ser considerado um gesto típico da maturidade. Pelo contrário, isso se assemelha mais a uma perspectiva adolescente sobre a vida, uma avaliação que considera como importante – ou como realmente existente – apenas aquilo que lhe cai sob os olhos. O imediato não pode ser o objetivo da responsabilidade.

Autoconhecimento: olhe a totalidade de quem você É de verdade

Precisamos ter um olhar tranquilo em relação à nossa precariedade e aos nossos limites

O que a responsabilidade deve levar em consideração é a totalidade do que somos, o conjunto de fatores que nos afetam, estejam eles à vista ou não. O relevante nessa versão adulta da responsabilidade não é a amputação daquilo que torna o mundo possível para os humanos, mas simplesmente a totalidade desse mundo com todas as suas ilusões. Nesse sentido, temos que considerar a possibilidade de que a cortina de ilusões que tecemos no passado para tornar a vida possível já é, ela mesma, parte do mundo humano.

Se for assim, não nos caberia rasgar o véu da religião para ver o mundo como ele é. Porque, sejam quais forem as ilusões que inventamos para tornar a vida humana possível, elas foram necessárias. Dar um passo adiante em direção à responsabilidade não significa rasgar as ilusões e revelar as mentiras. Dar um passo adiante é reconhecer que somos seres frágeis que tecem teias ilusórias para viver. A maior responsabilidade é com nossa própria precariedade humana.

Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie