por Pedro Tornaghi
É a vida uma ascensão positiva ou um declínio negativo?
Certa tarde dos anos 1970, conversava com um amigo na praia de Itapoã quando chegou Caetano Veloso com mais duas ou três pessoas e se sentou a poucos metros de nós. Pelo resto da tarde, ficamos apenas os dois grupos ali.
Caetano brincou por quase todo o tempo construindo formas com areia e conchas e, quando se foi, me aproximei para admirar uma sereia um tanto mitológica que ele havia esculpido, as conchas maiores formavam uma bela e sinuosa cauda e as pequenas uma generosa e ondulante cabeleira enquanto a areia dava forma tridimensional a seu corpo.
Fiquei impressionado com a atmosfera espiritual da figura que ele criara e me tornei ainda mais ferrenho admirador seu. Não imaginava que ainda coubesse mais um talento naquele corpo franzino.
Mais tarde, vendo-o em uma apresentação na televisão levar os dois olhos ao espaço entre as sobrancelhas enquanto cantava, me convenci de sua vocação para a espiritualidade. E pensei, esse é um "cara" em que o passar dos anos vai significar crescimento e melhora de vida.
Nessa época eu devia ter vinte e poucos anos e ele trinta e tantos. Claro, Itapoã uma tarde inteira com apenas meia dúzia de pessoas, só naquele tempo.
Crescimento da consciência: voos para felicidade
Hoje seria impossível. Mas não foi só Itapoã que me fez mudar minha ideia sobre Caetano. Ultimamente o ouvi comentar mais de uma vez que o avanço da idade era muito ruim, todas as faculdades se deterioravam e havia menos disposição. Não o ouvi citar nada de bom a respeito do avanço da idade.
Se eu levar em conta apenas as entrevistas que li, vou concluir que para ele a vida é uma descensão negativa. Aos vinte anos acho que concordava com quase tudo que ele fazia e falava. Pelo menos concordava no essencial. Hoje em dia, embora continue seu admirador – como não admirar alguém tão sensível? – não é difícil enxergar o quanto nossas percepções evoluíram em direções diferentes em muitos aspectos. Esse é um deles.
Caetano não é o único, sou cercado de bons amigos que pensam como ele. A avó de minha filha, uma mulher questionadora e talentosa, que dedicou boa parte de sua vida ao espiritismo e buscava discernimento através dele, uma tarde, em conversa na cozinha me perguntou: "Todo dia vou ao mercado e à padaria, arrumo a casa, lavo, cozinho e fico me perguntando, a vida é isso? Ir ao mercado e voltar?" Respondi a ela: "Para alguns sim. Sim, a vida pode ser vista não apenas como um subir ou descer evolutivo, mas até como um administrar horizontal. Há alguns que nem percebem a evolução ou involução de coisas e seres. Se contentam em "ir vivendo". Quis com minha resposta, sinalizar à avó de minha filha que ela poderia escolher ser diferente, que não estava condenada àquela situação que lhe parecia desconfortável. Infelizmente ela viveu pouco tempo para levar adiante os questionamentos que passou a ter a partir daquele dia. E, acontece a muitos, demorar a se questionar e depois não encontrar tempo suficiente para evoluir na nova estrada que vislumbraram.
Então comecemos já: é a vida uma ascensão positiva ou um declínio negativo? É ambas as coisas? Ela pode ser ambas as coisas. Ou uma só.
A descensão negativa é inegável, não é necessário possuir a inteligência privilegiada de um Caetano para percebê-la. Um espelho é o suficiente, as rugas aparecem, a pele fica mais seca e quiçá com manchas, os cabelos ficam mais descorados… A descensão é inevitável, nunca ninguém escapou dela. Já quanto à ascensão, participar ou não dela, é opcional. Pode-se ignorar sua possibilidade por toda a vida ou, ao contrário, dedicar suas melhores forças para evoluir em sua direção.
O que difere a pessoa que está simplesmente administrando sua vida da pessoa que está ascendendo, é a qualidade de consciência com que participa do que vive. Sim, uma pessoa que observa corajosamente tudo o que lhe acontece, por dentro e por fora, percebe que o avançar dos anos é uma ascensão positiva, um participar cada vez mais ativo e presente daquilo que faz. E dificilmente tem saudades do passado.
Uma pessoa que olha a vida como um decrescer negativo de qualidades físicas, vai achar que avançar nos anos é um exercício de renúncia. Renúncia de suas capacidades vitais, de seus objetos pessoais, de amigos que se vão, de coisas que se estragam, de verdades que não condizem mais com a realidade… A vida parecerá para ela um itinerário da alegria da juventude para a tristeza da velhice.
Já aquele que desenvolve a agudeza de sua capacidade de observar, vai enxergar o avançar dos anos como um crescer positivo da profundidade de consciência e lucidez. Conforme a consciência cresce em profundidade, novos planos de felicidade surgem, e, em um determinado momento do aprofundar, como em um buraco que se aprofunda na areia da praia, encontra-se a água pura do êxtase. A mina da felicidade. A felicidade pura e cristalina, sem motivo exterior. E, ao mesmo tempo, camadas e camadas de tristeza vão se despregando de nós, naturalmente, com a espontaneidade de um fruto maduro que se desprende da árvore.
A pergunta é: se é tão melhor ser consciente, por que tão poucos o são? Sim, claro, há um preço. O preço é encarar sua realidade interior. E poucos se dispõem. Em primeiro lugar pelo equívoco de só enxergarem o que terão de renunciar se evoluírem, em segundo, pelo medo da dor de perceber seus "defeitos", tristezas e vulnerabilidades. Mas, não há opção melhor, a outra opção é participar apenas da dimensão da vida em que ela se deteriora.
Medo do mergulho interior
O medo do "mergulho interior" não é exatamente o medo do desconhecido, mas o medo de se perder o conhecido. A começar pela perda da autoimagem que a pessoa possui. Em seguida, o medo de perder investimentos feitos anteriormente e que ainda não renderam o prometido. Sim, a pessoa investiu em ser alguém que teria direito a certas felicidades e ainda não as conseguiu. Como abandonar o investimento?
A vida realmente é feita de ganhos e perdas. Mas, para aquele que opta pelo caminho do aumento de consciência, as perdas que vão acontecendo são irrelevantes. A pessoa se percebe perdendo o que não é essencial para dar lugar ao que é essencial. E isso é sinônimo de maturidade, a perda do não essencial e o adquirir do essencial. E quando se experimenta isso conscientemente, não é difícil perceber o quanto esse essencial é que preenche e alimenta a pessoa internamente. Você descobre que antes esperneava por perder miçangas, sem saber que em seu lugar apareceriam os mais cristalinos diamantes.
O segredo para esse caminho não está em negar a dor da perda das mais diversas miçangas colecionadas por toda uma vida, mas em observar a dor, observá-la de maneira intensa e aguda. A dor parecerá grande e talvez até insuportável no primeiro momento, mas, com a persistência da atitude de observar, você a verá primeiro diminuir, até se tornar ínfima, até se dissipar, como se dissipa a escuridão quando alguém acende a luz.
No entanto, essa observação não pode ser apenas mental. É preciso observar com todo o ser, com sua porção emocional, com o físico, com toda a energia disponível. E, para isso, o melhor é criar um ritual, um momento ritual diário de observação.
Separe uma hora por dia para observar-se, aconteça o que acontecer com você naquela hora, observe de frente. Sozinho, em um ambiente protegido, feche os olhos e observe-se. Honestamente. Inteiramente. Corajosamente. Custe o que custar. Depois de algum tempo você se verá observando de outros espaços. A lucidez aumentará, o desconforto diminuirá e em algum momento você perceberá com os próprios olhos o que perceberam os grandes místicos, que a vida não é uma descensão negativa, mas uma ascensão positiva.