por Luiz Alberto Py
Há alguns anos, em uma entrevista, um conhecido diretor de teatro brasileiro, abriu seu coração e desnudou a alma em um strip-tease como raramente foi visto na imprensa.
Evito mencionar seu nome, pois não consegui encontrar o link da entrevista, mas me lembro do impacto que a mesma causou, principalmente pela forma polêmica de falar sobre sua vida.
Além de discorrer sobre o que chamou de sua “depressão crônica” e de sua “compulsão sexual”, que o leva a ter, segundo afirma, várias relações (heterossexuais) por dia, declarou ter sido estuprado aos 13 anos pelo artista plástico Hélio Oiticica. Negou que o incidente tenha representado um trauma psíquico para ele, afirmando que, ao contrário, foi um acontecimento libertador que o ajudou a se livrar de um preconceito.
Como psicanalista, estranho que ele ainda não tenha sido capaz de associar a humilhação de ser sodomizado no inicio da adolescência – e talvez ter gostado, já que valorizou o acontecimento – com sua posterior compulsão sexual. Pois essa soa como uma forma de se autoconvencer de que ter tido uma relação sexual no papel passivo com um homem mais velho não prejudicou sua futura sexualidade.
Formação reativa: negar dor psíquica
Sua compulsão parece ser o que em psicologia se chama de formação reativa, uma tentativa de negar uma dor psíquica e uma situação emocional apelando para seu oposto. É como uma pessoa que se atira ao perigo para negar o medo. No caso, o diretor parece se lançar a uma intensa atividade heterossexual (várias relações diárias e várias namoradas simultâneas, segundo seu depoimento) com o objetivo de negar para si mesmo qualquer possibilidade homossexual. Não é de se estranhar que todo esse caos psíquico gere uma depressão crônica que ele, na entrevista, prefere atribuir a fatores ocasionais externos como o declínio dos EUA e, como citado na época, a eleição do presidente Bush.
Mas o ponto para mim mais inquietante da entrevista do diretor (cujo título, não por acaso, é “Felicidade é utopia ridícula”) consiste exatamente na afirmativa dele de que felicidade não existe. Ele chega a usar a expressão “esta besteira” ao se referir à ideia de felicidade. Como o diretor, independentemente de sua depressão – e de se mostrar emocionalmente destroçado – é um intelectual respeitável, essas negações tão categóricas da existência de felicidade podem ter o poder de influenciar a opinião de leitores.
A mim, que há alguns anos escrevi um livro cujo título é exatamente “A felicidade é aqui”, incomoda particularmente ver a forma como ele procura destruir a expectativa de se encontrar o estado de espírito que se conceitua como felicidade. O fato de não encontrar felicidade lhe pareceu suficiente para postular que a mesma não existe. É como alguém afirmar que orgasmos não existem por nunca ter tido um.
O que é felicidade?
A felicidade, na minha experiência (e como comento no livro), é um estado de espírito interno que consiste em uma saudável alegria por estar vivo que exerce uma influência positiva na forma como nos relacionamos com os eventos da vida. Ela independe dos acontecimentos externos. Estes nos causam alegrias e prazeres ou tristezas e dores, mas não interferem com a felicidade.
O que alicerça a possibilidade de se ser feliz é a autoestima que, para nos conduzir à felicidade, precisa estar baseada em uma sólida relação de aceitação de si mesmo que, por sua vez, independe de sucessos pessoais.
A garantia da autoestima não é uma autovalorização baseada em desempenhos, como se vê claramente acontecer com o próprio entrevistado em sua ansiosa e compulsiva busca de sucesso (que, como se pode ver na entrevista, não garante sua paz), mas o amor próprio e a valorização do fato de estarmos vivos e termos a oportunidade de saborear esta misteriosa condição.