por Monica Aiub
Tanta tecnologia, tanto conhecimento produzido pela humanidade e nos encontramos diante de situações onde tudo isso parece de nada adiantar. É vertiginosa a velocidade com que criamos novas tecnologias. Poucos conseguem acompanhar tudo o que é descoberto, inventado e criado a cada instante.
A inovação tecnológica nos traz benefícios, conforto, “qualidade de vida”; é, de um lado, um grande bem produzido pela humanidade.
Viver em alta velocidade, com o respaldo de tal tecnologia parece ser o “sonho de consumo” da atualidade, ao mesmo tempo em que, a cada dia, tornam-se “luxos” o tempo, o silêncio, a simplicidade, o natural, o necessário. Criamos tecnologias que simulam espaços existenciais de convívio, talvez porque não mais os tenhamos em nosso cotidiano; criamos tecnologias que simulam nossas sensações, será que o fazemos pelo mesmo motivo?
Criamos nossos avatares, nos protegemos e nos mostramos através deles. Vivemos através deles também? Conhecemos o outro por interfaces, adentramos, por convite ou invasão, à sua privacidade, ao mesmo tempo em que, talvez, já tenhamos abandonado a possibilidade de alguma privacidade em nossas formas de vida. Conhecemos o outro ou nos limitamos a faces das interfaces? Obtemos a superficialidade das imagens em nossas telas, ou a profundidade de nossos próprios desejos traçada na imagem que criamos do outro? Com quem nos relacionamos quando nossas relações são com os avatares. Seriam eles esses outros que tanto procuramos em nós mesmos?
Se, de um lado, os avanços tecnológicos são o grande bem produzido pela e para a humanidade, e sua aquisição é sinônimo de “qualidade de vida”, o que buscamos quando afirmamos desejar “qualidade de vida”?
Muitas pessoas trazem ao consultório de filosofia clínica como Assunto: “Quero qualidade de vida”. Mas o mais interessante é que, ao pesquisarmos o significado de “qualidade de vida”, encontramos muitas e diferentes formas. O que para alguns é “qualidade de vida”, para outros é impossibilidade de viver. O que para alguns é fundamental, para outros é completamente desnecessário, ou até indesejado. Quem está certo? Quem está errado? Penso não ser o caso de certo ou errado, de melhor ou pior, apenas a presentificação da singularidade de nossa existência. Somos, apesar de compormos uma mesma espécie, seres únicos, singulares, que se constituem a partir de suas vivências, de suas historicidades, de suas próprias construções.
Contudo, criamos, em nosso convívio social, muitos pré-juízos acerca do que é uma “vida de qualidade”, sendo capazes de citar, ou até mesmo ditar, princípios fundamentais para se obter a “qualidade de vida”. Para uma “vida de qualidade” você deverá ter a, b e c; fazer x, y e z; pensar n, o e p; variáveis que, em determinados contextos sociais, são invariantes.
É comum nos depararmos com pessoas que preenchem todos esses requisitos, mas não se sentem bem, não se consideram vivendo com qualidade. Algumas delas, inclusive, questionam o sentido de sua própria existência, e compreendem suas vidas com ausência de qualidade, com incompreensíveis faltas, com vazios existenciais capazes de absorver todo o seu existir.
Se aplicarmos testes para medir sua qualidade de vida, segundo os padrões socialmente estabelecidos, concluiremos que são pessoas extremamente felizes. Contudo, não é o que sentem, o que pensam, o que desejam para si.
Algumas das citadas pessoas ainda sofrem mais, porque se sentem culpadas: “Têm tudo e parece que nada têm. Não valorizam o quanto a vida foi boa com elas”.
Você já sentiu algo assim?
Em contrapartida, algumas pessoas que seriam classificadas como não tendo qualidade de vida, e em alguns casos encontramos a surpreendente afirmação: “Isto não é vida para um ser humano!”, às vezes declaram-se felizes com suas formas de vida; compreendem que fazem exatamente o que desejam fazer, ainda que isso não corresponda aos padrões vigentes.
Será que todos nós necessitamos das mesmas coisas para termos uma vida de qualidade? Não se trata, aqui, de um discurso contrário aos avanços tecnológicos. Repito, eles são construções que podem tornar nossas vidas muito melhores. Mas em si, não são bons nem maus. Precisamos observar o uso que fazemos deles. A partir da observação do uso podemos refletir acerca de questões como: acesso e exclusão; dependência; consumo desenfreado, sem conhecimento das possibilidades de utilização da tecnologia adquirida; mau uso dos recursos tecnológicos, gerando, ao invés de benefícios, malefícios ao próprio usuário; confusão entre o que é necessário e o que é supérfluo, esquecendo de atender às necessidades básicas de sobrevivência; entre outros muitos aspectos.
Repetindo, mais uma vez, os avanços tecnológicos, em pouco tempo, nos permitirão muito. Mas penso que isso somente ocorrerá se não esquecermos as coisas básicas, fundamentais para nossa existência; coisas que poderiam ser cuidadas com posturas e atitudes talvez muito mais simples, que não demandam alta tecnologia.
A tecnologia utilizada em nosso benefício é maravilhosa, mas muitas pessoas se escravizam, tornam suas vidas insuportáveis, e tentam lidar com seus problemas apenas adquirindo, cada dia mais, novas tecnologias, que sequer sabem utilizar para atender o que lhe é vital. Necessitam de vidas artificiais para sustentar a artificialidade de sua existência, e o pior, muitas vezes por pura falta de coragem de assumir suas necessidades singulares numa sociedade que tende a padronizar, massificar o existir, amortecendo nossa sensibilidade, mascarando nossas dores existenciais, adormecendo nossa percepção.
Quais são as suas necessidades? O que é, para você, uma “vida de qualidade”? Sua vida, atualmente, corresponde ao que considera “vida de qualidade”? Caso sua resposta seja negativa, o que você poderia fazer para torná-la melhor? Caso sua resposta seja afirmativa, foram sempre esses os critérios para considerar sua vida de “qualidade”? Você atualiza esses critérios? Como faz isso?