Batman X Super-Homem

Vivemos em uma época em que o Batman luta contra o Super-Homem – algo que nunca havia acontecido. Ou seja, a luta do bem contra o bem. Mas… o porquê disso, hein?

Todos os nossos heróis do passado lutavam contra vilões. De alguma forma, os lados estavam muito bem estabelecidos nesses conflitos entre heróis e vilões. De um lado, o dos vilões, tínhamos alguma modalidade de corrupção moral, algum desvio de personalidade, alguma maneira não saudável de conviver em sociedade ou alguma forma de patologia psíquica.

De outro lado, o dos heróis, tínhamos personagens que seguiam valores morais superiores. Embora seguissem diferentes valores, todos os heróis se caracterizam por respeitar algum valor de uma maneira rígida. Em geral, eles não mudavam o rumo do seu comportamento e seu heroísmo poderia ser traduzido, inclusive, como uma forma de constância na observância de um padrão moral. O herói era um homem revestido de um padrão de moralidade inegociável. A despeito das adversidades que sempre apareciam, o herói se tornava herói pela sua determinação inflexível, pela disposição rígida do caráter, por navegar sempre em linha reta.

Na verdade, pouco importava de onde vinham heróis e vilões, já que eles simplesmente incorporavam valores morais que se enfrentavam. Esse conflito era quase metafísico, porque as biografias quase não pesavam. O que importava mesmo era que o bem lutava contra o mal – a despeito de quem quer que lutasse. Era como se eles encenassem uma luta que os transcendia e que era eterna, um enfrentamento que se estendia muito além deles.

Um vilão era um homem mau e era só isso que ele era. Ele não era um homem que havia se tornado mau. Ele era somente mau. O herói era o seu contrário, o bem, Por isso, pouco importava quem eles eram. O que importava era que eles incorporavam aquela luta transcendente do bem contra o mal.

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Batman x Super-homem

Mas, agora, o Batman luta contra o Super-Homem! Não se trata mais da luta do bem contra o mal, mas da luta do bem contra o bem. Os vilões estão se tornando humanos. Quer dizer, ninguém mais é realmente mau. Os vilões tornaram-se maus por alguma circunstância existencial, pela sua história de vida. Sua biografia é que os levou à vilania. E como todos nós temos uma biografia, isso deve querer dizer que todos nós poderíamos ter nos tornado vilões. E se a vilania está ao alcance de qualquer um, o mesmo ocorre com o heroísmo: qualquer um pode ser herói. Isso só depende de cada biografia, dos eventos particulares que acontecem com todos nós e do modo como somos afetados por eles.

A vilania é humana e está ao alcance de todos

O fato de haver sempre uma explicação biográfica para que o vilão tenha se tornado vilão significa que a vilania é humana e está ao alcance de todos. Portanto, o conflito não é mais tão nítido entre o bem e o mal. O conflito se estabelece entre humanos que seguiram caminhos diferentes. Mas todos os caminhos são humanos. É isso o que ocorre quando o Batman enfrenta o Super-Homem: nenhum deles é um vilão, todos estão certos de seu próprio ponto de vista. Não há nenhum confronto metafísico em jogo. Não se trata de encenar uma luta entre princípios. Se trata somente de pessoas tentando fazer a coisa certa.

O que é curioso e novo é justamente que pessoas tentando fazer a coisa certa podem entrar em conflito. Pessoas bem intencionadas podem brigar entre si. Pessoas éticas podem cometer violência – mesmo que contra as suas melhores inclinações – apenas por serem humanos. Será que isso quer dizer que ser vilão é uma tragédia que acomete a humanidade a despeito de qualquer coisa? Será que isso quer dizer que estamos condenados a ser vilões por motivos alheios à nossa vontade? Será que estamos todos condenados a ser maus mesmo que contra a nossa vontade?

Ronie Alexsandro Teles da Silveira é professor de filosofia e trabalha na Universidade Federal do Sul da Bahia. Mais informações: https://roniefilosofia.wixsite.com/ronie