Por Aurea Caetano
Fenômeno atual, seriados têm funcionado como modernos pontos de encontro.
Explico: tenho percebido entre casais, entre grupos de amigos e em famílias, por exemplo, a escolha de um seriado para ser “visto junto”. E como é que cada grupo ou cada dupla escolhe o que vai ver junto?
A seleção do que vai ser visto depende de um sutil acordo entre pessoas diferentes, com gostos distintos que elegem uma temática para ser compartilhada, em um determinado momento no tempo e no espaço. A enorme profusão de temas e formatos e a liberdade de escolha de horário facilita o encontro e a troca que permeia a possibilidade dos encontros. Há seriados para todos os gostos!
Normalmente mais curtos que um filme, em temporadas únicas ou plurais que englobam quantidades distintas de episódios, podem ser saboreados sem necessidade de espera. Toda uma temporada está disponível “on demand” de uma única vez. Cada grupo vai decidir de que forma quer ver o seriado, se um episódio a cada dia, se em maratonas de vários episódios, a depender do interesse e disponibilidade dos espectadores envolvidos.
Simples passatempo ou “função social”, como podem ser vistos os seriados, ou melhor, como nos relacionamos com esse fenômeno moderno? Qual seu sentido para nós, deste lado da tela? Foi com esses questionamentos que comecei a ver o premiado seriado americano “Big little lies”.
Somos apresentados no primeiro episódio a três mulheres que se encontram no primeiro dia de aula de seus filhos; duas delas são já amigas, enquanto a terceira é uma jovem mãe solteira, nova na cidade. Ficamos sabendo que houve um assassinato brutal num tradicional baile que acontece na escola.
Durante todo o seriado não sabemos quem matou quem ou por quê. O que sabemos é que o crime foi violento. O assassinato e quem o cometeu serão revelados apenas no último episódio. Desnecessário dizer, mas, assistimos a todos o seriado tentando descobrir qual daquelas pessoas seria capaz de cometer um crime desse tipo.
Quais são as pequenas mentiras que contamos a nós mesmos e que se tornam imensas quando colocadas em sua real perspectiva, seja pelo efeito que provocam, seja pelos atos ou sentimentos que escondem.
Somos mestres em mentir a nós mesmos e relutamos a aceitar nossos erros como aspectos importantes de nossas trajetórias. Antes da tentativa de enganar os outros tentamos enganar a nós mesmos. Somos mestres em autoengano!
Problema é que ao acreditarmos nas mentiras que contamos, acabamos por transformá-las em grandes mentiras, capazes de abalar toda uma vida. Há um importante contraste proposto no seriado: por um lado a existência um lugar paradisíaco, as locações usadas são belíssimas, tudo é incrível: o lugar é perfeito, as mulheres são lindas, as crianças maravilhosas, o oceano majestoso tem lugar de destaque, é visto e invade todos os cenários.
O inferno surge na intimidade da vida dos personagens: ciúme, violência, traição, agressividade, impotência, raiva. Na relação entre os vários personagens surge a questão que acompanha o seriado: o que é verdadeiro afinal? Quais as mentiras que contamos e nas quais acabamos por acreditar?
Um bom filme, seriado ou livro deve ser capaz de provocar em nós algum tipo de reflexão, algo que nos leve a pensar além do autoengano.
Afinal, como já foi colocado por Jung, devemos nos levar a sério enquanto tarefa, e trabalhar para ampliar nossa consciência, sabendo que ao fazer isso nos tornamos cada vez mais senhores de nosso próprio destino.