por Guilherme Teixeira Ohl de Souza – psicólogo do NPPI
A sociedade brasileira vem vivendo nos últimos tempos uma intensa dicotomia e tensão entre os espectros políticos de direita e esquerda. Vemos nas redes sociais e nas ruas consideráveis quantidades de demonstrações de hostilidades. Muitas vezes, debates acerca de assuntos "inocentes", que supostamente não têm relação com esta briga, acabam terminando em discussões políticas calorosas, quando não abertamente agressivas.
Há uma tendência humana em nos identificarmos com aqueles que acreditamos serem nossos pares e em nos diferenciarmos daqueles que acreditamos serem os outros. Ao nos identificarmos com um grupo, criamos um certo sentimento de família, de pertencimento a este grupo. A partir daí, podemos criar também um sentimento de animosidade em relação àqueles a quem vemos como o outro, principalmente se o vemos como uma contraposição ao nosso grupo – por extensão, até mesmo uma ameaça. Este processo de agregação e segregação do ser humano se dá desde os primórdios da história humana, mas vemos hoje uma maneira peculiar de ocorrer na Internet.
Um exemplo fácil de entender, são os mecanismos de busca existentes. Quando uma pessoa realiza uma pesquisa, algoritmos são ativados e, mediante uma série de critérios, apresentam-se os resultados. Estes resultados dependem de fatores, como seu histórico de navegação, de cliques e do lugar onde você realiza a pesquisa, entre outros. Este sistema busca personalizar a pesquisa, na intenção de encontrar os supostos melhores resultados. Ele funciona bem quando lidamos com questões mais cotidianas, como pesquisar preços ou encontrar um determinado tipo de restaurante. Mas quando se trata de questões mais complexas, como política, por exemplo, este sistema pode gerar vieses que nos movem para determinados nichos, alienando-nos de informações (e opiniões) que vem de fontes diversas. Se nos deixarmos levar por aquilo que recebemos pela Internet, podemos cair nesta bolha.
E qual o problema em permanecer nesta bolha? A questão é que nós nos desenvolvemos, crescemos, ampliamos nossos horizontes quando nos deparamos com a alteridade, com a presença o outro e especialmente quando este outro vê o mundo e pensa de maneira diferente de nós. Quando ficamos à volta de pessoas "iguais", que têm as mesmas opiniões e os mesmos valores que nós, corremos um grande risco de ficar estagnados e não acompanhar as mudanças que ocorrem na sociedade. Mas o pior é que, quanto mais nos relacionamos com nossos "iguais", mais temos certeza de que o que pensamos é correto e mais inquestionáveis se tornam nossas visões.
Passamos também a desejar nossas visões de mundo, ou seja, criamos uma relação de idolatria ao invés de uma postura crítica com aquilo que pensamos – como um fã torcendo para seu time. Ao mesmo tempo, as visões diferentes se tornam cada vez mais "erradas" e mais intoleráveis – em uma situação mais drástica, pode-se chegar a posições mais extremadas. Ao nos afundarmos em nossa própria bolha, aumentamos as chances de nos viciar em nossas próprias idéias e visões de mundo. Além disso, muitas vezes temos a sensação de que nossos desejos são cada vez mais urgentes, que precisam ser rapidamente resolvidos e a opinião contrária pode até tornar-se uma ameaça e não mais apenas um incômodo.
Por outro lado, existem furos nesta bolha. Vale ponderar que o ser humano não é uma pedra que apenas recebe a influência externa sem reagir a ela. Além de ter capacidade crítica (em maior ou menor grau), é difícil viver de maneira tão isolada a ponto de não termos contato nenhum com o diferente, seja no trabalho, na escola, com os vizinhos e até dentro da própria família.
Ultimamente e em função da problemática das bolhas virtuais, há algumas iniciativas para quebrar esta geração de bolhas, como nos sites de busca. Existem algoritmos que "quebram" os algoritmos costumeiros usados neste sites, gerando resultados mais diversos. Com a descoberta do problema das bolhas virtuais, já estão aparecendo iniciativas educativas para que as pessoas tomem consciência dos conteúdos que acessam a Internet e como eles são gerados.
Evitar entrar nesta bolha não é um trabalho tecnicamente difícil, basta que o internauta procure por fontes diferentes de comunicação e de relacionamento, para além do que lhe é oferecido na web. A parte mais difícil talvez seja abrir a cabeça para escutar opiniões divergentes (que normalmente geram incômodo) ou mesmo conhecer algo novo, que amplie seus horizontes. O contato com a alteridade e a contrariedade desenvolve nossa capacidade de lidar com o diferente de forma civilizada; cada experiência de vida é como um treino, onde exercitamos nossa tolerância, enquanto que no isolamento esta capacidade regride e nos torna mais fracos para suportar o outro.