por Monica Aiub
Desde a Antiguidade, muitos filósofos consideraram a felicidade como o fim último da vida humana. Muitos foram os tratados sobre o que é a felicidade, sobre os caminhos para encontrá-la. Somos felizes? Em que consiste a felicidade?
Aristóteles inicia o livro I da Ética a Nicômacos discorrendo sobre a finalidade das ações que praticamos: "Se há, então, para as ações que praticamos, alguma finalidade que desejamos por si mesma, sendo tudo mais desejado por causa dela, e se não escolhemos tudo por causa de algo mais, evidentemente tal finalidade deve ser o bem e o melhor dos bens. Não terá então uma grande influência sobre a vida o conhecimento deste bem?"(cap. 2).
Epicuro, na Carta sobre a Felicidade, afirma que "o prazer é o início e o fim de uma vida feliz", mas faz uma ressalva:
Quando dizemos que o fim último é o prazer, não nos referimos aos prazeres dos intemperantes ou aos que consistem no gozo dos sentidos, como acreditam certas pessoas que ignoram nosso pensamento, ou não concordam com ele, ou o interpretam erroneamente, mas ao prazer que é a ausência de sofrimentos e de perturbações da alma. Não são, pois, bebidas nem banquetes contínuos, nem a posse de mulheres e rapazes, nem o sabor dos peixes ou das outras iguarias de uma mesa farta que tornam doce uma vida, mas um exame cuidadoso que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição e que remova as opiniões falsas em virtude das quais uma imensa perturbação toma conta dos espíritos (Epicuro, 2002: 44-45).
Se observarmos nossos modos de vida hoje, veremos o quanto investimos na busca da felicidade, na ausência do sofrimento, na anestesia para as dores da existência. Ser feliz é, muitas vezes, uma ideia associada a modelos previamente estabelecidos por nossa sociedade: o consumo desenfreado, a posse de objetos, dinheiro, fama, poder, status. Quanto mais temos, mais tememos perder. Quanto menos temos, mais infelizes parecemos ser diante desse modelo.
"… a felicidade é algo final e autossuficiente, é o fim a que visam as ações" Aristóteles
Necessitamos atingir os parâmetros estipulados por um modelo econômico/social? Nossa felicidade se resume a quanto podemos gastar? E quando não temos recursos para gastar? E quando gastamos muito e, ainda assim, não atingimos o que considerávamos ser um estado de felicidade?
Há uma forte tendência atual a buscar a felicidade em drogas ou medicamentos. Anestesias para os problemas da existência, felicidade artificial, encontrada em drogas lícitas ou ilícitas. Necessitamos desses recursos? Se minha infelicidade é fruto de um problema que não resolvi, uma droga que provoque um estado de torpor, ou de felicidade artificial resolverá o problema?
Este é o movimento de muitas pessoas hoje. Buscam entorpecer-se para esquecer o que lhes traz sofrimento, o que lhes perturba a existência. Com isso, deixam ao lado os problemas, que ali permanecem, exigindo doses das drogas ou dos medicamentos cada vez maiores, somente assim conseguem não enxergar o que lhes perturba. Quando as dores se tornam insuportáveis, uma opção, muitas vezes, é desistir. Assumir o fracasso da existência e esperar, com a derrota, a morte.
Das muitas formas de morte, aquela que faz os dias parecerem sem fim, aquela que nos impede de ser o que somos, a morte em vida, é extremamente dolorosa. Então, mais alguns medicamentos para suportar a espera do fim. É preciso viver desta maneira? Alguém opta, livremente, por esta forma de existência?
Poderia ser um caminho mais adequado buscar formas para solucionar as questões que nos incomodam, ainda que isso implique em algum transtorno, em um pouco de sofrimento, em algumas dores? Talvez seja dolorido afastar os erros, os enganos, as falsas opiniões. Talvez seja triste descobrir que algumas coisas não são como pensávamos que fossem. Mais triste talvez seja perceber que o que escolhemos como caminho não é bem como imaginávamos ser. O que fazer diante de situações dessa natureza? Como produzir vida em nós?
Há quem não queira ser feliz? Lembro de Elizandra, uma moça que atendi que se revoltava toda vez que alguém perguntava a ela se fazia terapia porque buscava a felicidade. Elizandra não queria, e não quer ser feliz. Ser feliz, diz ela, numa sociedade como a nossa, em que se morre de fome e de miséria, em que se vê a violência a toda hora, em cada esquina, é ser alienado. Eu não quero ser alienada. Prefiro morrer a ser feliz dessa maneira. Minha infelicidade me faz buscar, incessantemente, formas de transformar a sociedade. Elizandra envolve-se constantemente em ações sociais, tentando encontrar formas de transformar o quadro de violência e miséria em que vivemos. Assim ela se sente bem, mas não feliz, pois, para ela, se estivesse feliz, não precisaria mais buscar.
Seria Elizandra louca por não querer a felicidade? Ou seria doentio o modo de ser que encontra felicidade gastando no shopping? Como distinguir entre uma "loucura" a ser contida ou uma inquietação criativa, necessária à construção da pessoa? Até que ponto a busca por "restabelecer a normalidade" não é um impedimento, um entrave à construção de um modo de ser singular? Poderia um tratamento que pretende "restabelecer a normalidade" transformar-se em um processo de alienação, acomodando as inquietações e adaptando a pessoa a um modo de ser construído socialmente? Até que ponto esse modo de ser é saudável?
"A felicidade consiste em ser o que se é", afirmava Erasmo de Rotterdam no Elogio da Loucura. Conhecer e respeitar aquilo que somos, as nossas necessidades, encontrar modos para exercer o que somos, pode ser um caminho saudável para a existência. Distante de padrões estipulados socialmente, longe da hipocrisia social que exige a anulação do que se é, como forma de ser, podemos valorizar tudo o que produz vida em nós.