por Patricia Gebrim
Você já percebeu que algumas pessoas perecem ter a capacidade de constantemente se encantar com o mundo e a vida, enquanto para outras tudo parece sempre cinza e sem graça?
A física quântica ressalta que o observador tem importância fundamental naquilo que é observado. Conforme vou lendo sobre essas inúmeras teorias da física moderna, vou logo imaginando a realidade como sendo uma sopa flutuante, feita de infinitas possibilidades, um pouco parecida com aquela sopa de letrinhas que me divertia tanto quando eu era criança.
Pense comigo: tudo (TUDO MESMO) seria possível. Qualquer possibilidade, "todas" as possibilidades estão lá, agora mesmo! As letrinhas poderiam se combinar em toda e qualquer palavra, de qualquer idioma. Mas apenas naquele breve momento em que abrimos os nossos olhos e olhamos para o mundo, essa sopa tomaria a forma de uma “realidade” única e específica, aquela que observamos, uma única palavrinha se equilibrando na borda do prato. E assim que deixamos de olhar, tudo vira a “sopa de possibilidades” de novo. UAU!
Já tentei fechar os olhos e abri-los bem rápido, antes que a “sopa” tivesse chance de virar o que estou acostumada a ver, mas nunca fui rápida o suficiente, ou talvez não esteja pronta a desvendar esse mistério.
Outro dia, lendo um livro de *Rubem Alves (Perguntaram-me se acredito em Deus) encontrei um trecho que ajudou-me a pensar ainda mais nessa questão:
“Os olhos são a lâmpada do corpo. Se os olhos forem bons, o mundo será belo. Se os olhos forem maus, o mundo será sinistro. O Paraíso mora dentro dos olhos.”
Acabamos sempre filtrando a realidade, a sopa de possibilidades, reduzindo-a através de um conta-gotas: nossa percepção.
O observado é influenciado pela nossa observação. Sendo assim, nunca poderemos mudar o mundo se não formos capazes de mudar os nossos olhos.
Curiosa que sou, resolvi experimentar!
Todos nós recebemos, ao nascer, uma caixinha secreta. Dentro dela existem vários pares de olhos. Algumas pessoas nem sabem possuir a tal caixinha. Outros a descobrem logo e vão colecionando novos olhos no decorrer da vida, trocando com outras pessoas, encontrando olhos nos lugares mais inusitados: dentro de livros, em museus, teatros, casa de amigos especiais. Uma vez encontrei um doce par de olhos dentro de uma caixinha de alpinos, podem acreditar!
Apesar de ter colecionado olhos desde que nasci, eu nunca tinha feito a experiência de prová-los, e estava cheia de excitação ao imaginar o que aconteceria quando o fizesse. Abri minha caixinha e retirei de dentro dela um par de olhos, vermelhos como sangue. Olhando de perto percebi que tinham umas ranhuras que me lembravam os raios que cruzam os céus em noites de tempestade.
Com cuidado, retirei meus próprios olhos de meus globos oculares e aninhei em seu lugar os novos olhos vermelhos, tendo o cuidado de deixar as pupilas voltadas para fora.
No mesmo instante o mundo se tornou feroz, um verdadeiro inferno com direito a diabinhos de rabo pontudo, tridentes e labaredas! Olhei pela janela e vi assaltos, injustiças, desrespeito e ódio. Vi o Ali Babá e os quarenta ladrões gritando “Abre-te Sésamo!!!” e vi enormes e antigas paredes protegendo-os com suas sólidas estruturas. Quanto mais olhava, mais sentia uma fúria se apossar de meu ser. Mal podia esperar a chance de eletrocutar um deles com os raios que saiam de meu olhar. Meu corpo tremia, minhas mãos se tornaram estranhamente frias e eu poderia jurar que coração algum batia em meu peito.
Nesse exato momento ( talvez enviado por um espírito guardião), Sky, meu gato preto, veio em minha direção em busca de seu afago matinal. Ao dar de cara com aqueles olhos horripilantes, não teve dúvidas, partiu para cima de mim com todas as unhas para fora! Isso fez com que eu recobrasse a consciência e, mais do que rapidamente, retirei de meu rosto aqueles olhos assustadores.
Sky acalmou-se, instantaneamente.
Trêmula, tateei pela caixinha e escolhi aleatoreamente novos olhos. Ao olhar no espelho, vi que era um belo par de olhos brancos, tão brancos como a intocada neve do topo de uma montanha. Os olhos tinham, aqui e ali, minúsculos pontos prateados, que os tornavam parecidos com uma chuva de meteoros em uma noite de luar.
Meu corpo inteiro relaxou quando abri aqueles olhos. E de repente tudo se tornou belo. Tão belo que me fez lembrar de outra frase desse mesmo livro do Rubem Alves:
– A pergunta não deveria ser “Você acredita em Deus?”, mas “Você se comove com a beleza?”
E eu estava profundamente comovida.
Não que deixasse de ver os roubos e injustiças de antes. A diferença era que esses olhos me permitiam amar o mundo mesmo assim.
E como enxergavam longe esses olhos…
Viam não apenas o que lá estava, mas também a possibilidade adormecida em tudo. Via sim os 40 ladrões, que continuavam contando moedas de ouro ao lado do Ali Babá, mas via também, dentro de cada um deles, uma sementinha dourada de consciência. É verdade que em alguns a sementinha era tão pequena, mas tão pequena, que era menor do que a menor coisa que você possa imaginar! Mas, ainda assim, estava lá.
E era assim que eu olhava para todas as pessoas. E uma coisa incrível acontecia… conforme eu ia caminhando com esses olhos por entre as pessoas, pontinhos prateados iam se soltando de meu olhar, unindo-se às sementinhas douradas que existem dentro de cada ser humano, e como se uma magia começasse a acontecer, quando prateado e dourado se uniam, uma luz começava a brilhar!
Ao meu redor ia aparecendo um mundo cada vez mais belo. Ética, respeito, generosidade, entendimento… tudo começava a brotar, como um jardim que ia ocupando o espaço das ervas daninhas.
Com essa experiência eu toquei o Paraíso, acreditem. Enxerguei um mundo possível e entendi que cada um de nós não só enxerga seu mundo particular como também cria a partir do que vê.
Somos co-criadores da nossa realidade ! – eu entendi isso ao usar minha caixinha de olhos.
E é com aqueles olhos brancos prateados que eu estou olhando para você agora, e o que estou vendo é belo… belo demais.
(Você está vendo uns pontinhos prateados aí na tela do seu micro?).
Uma sugestão… não deixe sua caixinha de olhos mofando em algum lugar de sua casa. Use-a!
(Mas saiba escolher, ok?)
*Rubem Alves: psicanalista, educador, teólogo e escritor