por Monica Aiub
A frustração de buscas tem se mostrado um grande problema no consultório. Muitos partilhantes (pacientes) queixam-se de não conseguirem atingir seus objetivos, outros temem não conseguir, outros ainda atingem, mas sentem-se frustrados com os resultados; lamentam por suas escolhas.
Desde muito cedo somos ensinados a traçar metas, objetivos e cobrados a sermos vencedores. Não basta ser o que somos, é preciso, em nossa sociedade, que tenhamos status, dinheiro, poder. É preciso que tenhamos ambição. Assim somos educados. Um indício desta educação encontra-se nos moldes competitivos dos vestibulares, dos rankings dos melhores alunos na escola, assim como se explicita na competitividade do mercado.
O biólogo e filósofo chileno Humberto Maturana, em seu livro Emoções e Linguagem na Educação e na Política, questiona essa abordagem e apresenta um argumento biológico interessante. Segundo ele, não há indícios na constituição biológica do ser humano de uma competitividade natural: não possuímos garras ou presas, não somos seres de guerra, somos, afirma ele, seres coletores. Ele argumenta jocosamente apontando a felicidade que encontramos em fazer compras no supermercado – uma forma de coleta na sociedade contemporânea.
Como seres coletores, nossa natureza é de amor, de paixão, e não de competitividade, de ambição. A ambição, para Maturana, exige meta, alvo, objetivo, foco. Quando focamos algo, dirigimos nosso olhar somente para o alvo, fechamos o foco e não enxergamos toda a amplitude do entorno. Quando amamos, amamos a totalidade, perdemos o foco.
Ao perdermos o foco, ampliamos nosso olhar, vivemos intensidades. Não importa o foco, a meta, o objetivo, o alvo; importa cada momento, cada gesto, cada detalhe.
Quantas vezes passamos longos períodos de nossa vida sofrendo para atingirmos um objetivo, quase que literalmente “deixando de viver” para “chegar lá”? Quantas vezes sacrificamos o que nos é mais caro, mais querido na vida, em prol de uma meta traçada, pois não podemos arriscar flexibilizar um caminho? Quantas vezes muitos anos de caminhada não são percebidos, não são vividos, pois o que se espera é atravessar a linha de chegada? E quantas vezes chegamos tarde demais? Ou seja, quando chegamos não faz mais sentido chegar?
Quantos de nós passamos a vida fazendo algo que não gostamos para, quando a aposentadoria chegar (se chegar) conseguirmos fazer algo que nos satisfaça? Lembro-me de uma amiga estudiosa das comunidades tradicionais questionando o fato de muitas pessoas sacrificarem-se durante a vida inteira, para com a aposentadoria conseguirem uma vida simples à beira-mar, uma vida que, segundo ela, o caiçara vive sempre. Por que não optar pela vida simples à beira-mar agora mesmo?
Necessitamos de tudo o que traçamos como busca para nós? Queremos o que vivemos? Ou construímos uma ilusão de realidade, desejamos um modelo fantasioso, talvez inatingível e sofremos porque não conseguimos atingi-lo? Buscamos nossas inclinações, nossas paixões, ou nos obrigamos a viver modelos prontos, exigidos socialmente?
Nos permitimos caminhar na “contramão” do mercado? Ou escolhemos nossas atividades pelo status, pelo valor do contracheque?
Não quero com isso dizer que seja certo ou errado optar por “mão” ou “contramão”, mas desejo afirmar que nada disso é determinado anteriormente, as determinações somos nós quem as fazemos. Podemos construir caminhos totalmente novos – e esses têm se apresentado como grandes possibilidades – ou podemos optar por caminhos já trilhados.
O importante é que tenhamos consciência do que escolhemos como caminho, que saibamos para onde caminhamos, que nos permitamos viver cada passo de nossa caminhada. Se nos fizer bem parar para contemplar a vista, que nos permitamos; se nos fizer bem caminhar apressadamente para chegar mais depressa, que o façamos; mas que seja uma escolha nossa, vivida com intensidade e não apenas um modelo que nos obriga a viver cegamente, com medo e sofrimento de não conseguirmos (ou conseguirmos) nos tornar aquilo que esperam de nós.